No próximo sábado, dia treze de maio, o Brasil celebra o 135º aniversário da Lei Áurea, aquela que colocou fim a um dos episódios mais tenebrosos da história brasileira, uma mancha que perdurará para todo o sempre em nossas consciências, a escravidão praticada no Brasil, é um acontecimento trágico que ainda hoje tem seus reflexos na sociedade por onde quer que andemos. Ninguém sabe ao certo quantos seres humanos foram aprisionados na África e forçados a virem para cá, é incalculável o número daqueles que morreram nos porões dos navios infames e depois jogados em alto mar; é também incalculável o esquecimento no qual caiu o Brasil com essa tragédia, até hoje a pátria que tanto se gaba em ser um país acolhedor, nunca fez um pedido de perdão para com o povo africano, nunca lhes deu o reconhecimento merecido, só mesmo com muito esforço e luta.
Voltando no tempo, observamos que a escravidão existe desde que o mundo é mundo, essa prática se perde no tempo e no espaço, ela assumiu muitas formas distintas dependendo da região, sabemos por inúmeros documentos que havia a escravidão devido ao nascimento, bem como a escravidão originada por dívidas, já a escravidão no Brasil colônia se deu pura e simplesmente porque os invasores se deram o direito de explorar aqui o que bem entendessem, precisavam de mão de obra barata ou mesmo insignificante, num primeiro momento os índios foram usados e logo em seguida num conluio macabro começou o tráfico de pessoas, chegando aqui eram vendidos, trocados, famílias inteiras foram divididas; o Brasil escravocrata não sentiu remorso algum em tratar os africanos como meras mercadorias, instrumentos tão úteis num momento e logo descartáveis noutro.
Quando voltamos nosso olhar para um dos maiores filósofos de todos os tempos, mas que carrega uma pedra no seu sapato, o estagirita Aristóteles, ficamos boquiabertos quando ele trata desse tema, em seu contexto era perfeitamente normal que uma minoria fosse livre e a grande maioria escrava. Para os gregos cultos da época, os bárbaros que não faziam parte do seu território eram meros seres que não falavam nem escreviam em grego, portanto seres ininteligíveis, embora hoje saibamos perfeitamente que os “bárbaros” possuíam uma cultura exemplar. Os gregos fechados em seu exuberante mundo cultural se fecharam para as realidades extramuros, o cidadão grego de Aristóteles, deveria estar envolvido primordialmente com a política e o destino da pólis; portanto só os abastados eram livres, já todas aquelas tarefas menores deveriam ser postas nas mãos dos escravos.
Entre a escravidão proposta por Aristóteles e aquela que foi amplamente utilizada no Brasil possui inúmeras diferenças, lá atrás o escravo é escravo simplesmente por causa da sua natureza, da sua origem, isto é, ele nasceu para ser escravo e é nessa função que ele deveria realizar a sua existência, por isso os notáveis da pólis não podem dar liberdade para os escravos, pois em eles, será impossível ao dono manter-se ocupado com a política. No Brasil colônia, não havia nenhum tipo de consideração para com os negros, ou se submetiam ao que lhes era imposto ou então morriam, não eram pessoas, não participavam de absolutamente nada na sociedade; Aristóteles apresenta um modelo “ideal” de escravo, no Brasil, nem uma coisa nem outra, simplesmente o escravo estava atado às mãos do seu senhor, este em muitas ocasiões era o senhor da vida e da morte, uma tarefa abominável.
Hoje, século XXI, não estamos tão livres assim como muitos apregoam, o que antes era uma preocupação, hoje, acontece realmente, há em todos os lugares um excesso de tudo, onde cada um pode aproveitar da melhor forma possível, mas esse excesso de tudo também tem a força de escravizar, negligencia-se que há toda uma estrutura por trás, isto é, quanto mais liberdade, mais somos amarrados de várias maneiras, as chibatas e troncos de antes, foram agora trocados pela vigilância cerrada, somos escravos do sistema financeiro internacional, somos reféns de alguns países que pretendem dominar o Planeta, uma guerra na longínqua Ucrânia deixa o mundo de mãos atadas, quantos são também os escravos dos cliques diuturnos, das imagens fabricadas, das falácias encomendadas; apesar de tantas luzes e brilhos, o ser humano ainda não aprendeu a enxergar o outro lado.
Bioeticamente, esse treze de maio de dois mil e vinte e três dá o que pensar, precisa ser revisitado e aprofundado, pois a escravidão contemporânea é real e bem dissimulada, qualquer um pode ser a qualquer momento engolido por ela, basta não estar vigilante, a escravidão moderna usa o que há de melhor no mundo tecnológico, a diversidade é então imensa. Pensemos por um breve espaço de tempo na escravidão que estamos promovendo para com a Mãe Terra, dela fazemos pouco ou nenhum caso, não nos interessamos se ela está bem de saúde ou está agonizando, queremos pura e simplesmente que ela produza, que nos dê o melhor, que satisfaça nossos desejos incontroláveis, bem ao estilo do que se fez no Brasil colônia; assim como foi feito aos africanos, hoje tiramos o melhor dela e lhe entregamos o pior, isto é, a sujeira, envenenamento das águas, poluição de todo tipo, uma depredação inexplicável,; sendo assim que diferença tem o senhor do engenho de antes, com os agora senhores dono do mundo? Escravidão, tão longe e assim tão perto de nós.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
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