A hebiatra, médica especialista em adolescentes do Hospital Sírio Libanês, Silvia Nigro, incentiva a pratica de esporte em todas as idades, mas alerta para os cuidados especiais que devem ser levados em conta quando se trata de um corpo ainda em formação. “No alto rendimento é preciso ter bastante cuidado na parte biopsicosocial”, afirmou.
Ela explica que durante a adolescência é fundamental ficar atento a três questões. A primeira é o desenvolvimento endocrinológico, da transformação do corpo da puberdade para o adulto. Também é preciso monitorar a área ortopédica, a questão de trauma, lesão e deformidades que a prática pode causar. E, por fim, a parte emocional.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência vai dos 10 aos 20 anos. Nigro acha que o limite de idade tem que ser analisado em cada modalidade, mas também não acredita que seja necessário um veto. “O desenvolvimento na puberdade depende de boa nutrição, exposição solar e desenvolvimento hormonal. Se a atividade física estiver adequada a esses três fatores, vai ter desenvolvimento ósseo e puberal adequado.”
Mestre em Educação pela Columbia University e criador da plataforma de aprendizagem digital Cloe, Fernando Shayer, lembra que o desenvolvimento cognitivo e emocional não é maduro na adolescência e por isso é fundamental acompanhamento psicológico. “Todo aprendizado é em rede. É fundamental que esse atleta tenha uma rede de suporte. Não só apoio técnico, mas em particular uma rede de suporte emocional. É importante que esse atleta aprenda a lidar com potencial fracasso.”
Para isso, ele pede que a ênfase no trabalho nunca seja no resultado final, na medalha, no pódio, mas na experiência de estar apto para disputar uma competição, de poder se divertir. “É o que parece que a Rayssa estava vivendo em Tóquio. Ela brincava com as outras atletas, dançava. É diferente do estado de estresse da ginasta americana Simone Biles.”
O professor de marketing esportivo da ESPM, Ivan Martinho, também defende que o foco tenha que estar no caminho e não no final. “Não se deve criar limitações para o talento. O esporte é inclusão e diversidade. A participação da Rayssa nos Jogos serviu de inspiração para milhares de crianças praticarem esporte.”
Martinho também acredita que a diversidade no esporte, independentemente da idade, atrai novos investimentos para os eventos esportivos. “As empresas estão mais interessadas em contar histórias do que mostrar o atleta no pódio. Claro, que a vitória não é descartada. Mas a Rayssa interessa sua origem, como chegou no esporte. Com o Ítalo Ferreira do surfe a mesma coisa.”
Para ele, é importante, claro, acompanhamento da entidade esportiva e, mais importante ainda, da família. “É responsável pelo adolescente que vai vetar que o patrocinador seja uma empresa de cigarro ou que o filho tenha que comparecer a um evento na madrugada. É o pai que precisa monitorar se aquela atividade física está sendo benéfica ou não para o filho. O que não se pode fazer é achar que o filho é um bilhete premiado e tentar fazer render.”
Dona de 111 títulos na base do basquete brasileiro, Thelma Tavernari tem formação em educação física e psicologia. Em tempos de pandemia, redes sociais e do interesse do jovem cada vez mais por ficar de olho nas telas do celular, TV e computador, ela diz que o debate não deveria ser esse de limite de idade, mas no de incentivar os jovens a praticarem atividade física.
“Meu filho tem 17 anos e joga basquete nos Estados Unidos. Lá uma criança com 2 anos vai fazer natação. Com, 3 para 4 começa no atletismo. Com 6 vai para defesa pessoal. Nada pensando inicialmente na competição. Mas pensando no físico, na parte coordenativa. Aqui no Brasil chegam garotos para treinar com 17 anos, com bom biotipo, mas que ainda não aprenderam a correr porque nunca fizeram esporte.”
Tavernari já comandou a seleção brasileira de base e atualmente treina as equipes sub-15 e sub-16 do Pinheiros. Na opinião dela, os adolescentes no alto rendimento são exceções e não regra. Por isso, o olhar tem que estar na forma que esse jovem será tratado na equipe principal.
“Não pode ter estresse de vida ou morte. O resultado tem que ser visto como consequência do processo. Por isso é importante que o treinador tenha o olhar de educador. No basquete, se estamos perdendo por 20 pontos, falo: ‘esquece o placar, vamos fazer nossa parte’. E é assim que tem que ser.”
GINÁSTICA ARTÍSTICA – A questão da idade no esporte olímpico não é um debate novo. A ginástica artística discute o assunto desde os anos 70, pelo menos. Ele ganhou força quando a romena Nadia Comaneci, com 15 anos, ganhou a medalha de ouro nos Jogos de Montreal-1976 e se tornou a primeira ginasta a receber a nota 10, avaliada com a nota máxima por todos os sete jurados.
O bom desempenho estimulou nos anos seguintes a aparição de outras jovens atletas, como a canadense Karen Kelsall, de 12 anos, e a norte-americana Tracee Talavera, de 13 anos. Em 1981, a Federação Internacional de Ginástica (FIG) decidiu estipular o limite para 15 anos. A medida vigorou até 1997, quando a idade aumentou para 16 anos em competições olímpicas.
A World Skate, órgão regulador do skate, não impõe limite de idade nas competições. Nos Jogos de Tóquio, o COI (Comitê Olímpico Internacional) permitiu que os atletas menores de 16 anos levassem um acompanhante legal. Rayssa levou a mãe. No skate, os menores de idade também tinham a obrigatoriedade de usar capacete.
O esporte que rendeu duas medalhas de prata por enquanto ao Brasil ainda não está garantido nos Jogos de Paris-2024. Entrou em Tóquio como teste com o intuito de atrair o público mais jovem para o evento.
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