A professora Jovilde Lupattini escreveu um livro durante a pandemia
A professora de Língua Portuguesa Jovilde Lourdes Lupattini sempre foi uma pessoa muito ativa. Além do seu trabalho com o Ensino Médio, ela frequentava academia, fazia dietas, cuidava de netos, viajava, ia em festas e dançava onde podia, mas precisou editar a sua rotina com a chegada da pandemia da covid-19. “Só não sabia que seria por tanto tempo”, diz.
Ao invés das atividades mais dinâmicas, a Jô, como é conhecida, passou a ler mais, escrever mais, fazer crochê, ouvir músicas, ver séries, experimentar receitas, tudo isso trabalhando no sistema remoto, ao qual precisou se adaptar.
“Renunciei ao meu mundo, ao meu cabelo sempre bem cortado, minhas unhas sempre feitas, minha dieta assistida, minhas amigas de vinho, de canastra, de jantas, de caminhadas, minhas reuniões politicas ou do sindicato, minha noite semanal com netos”, diz. “Me afastei presencialmente de tantas pessoas que admiro, que estimo, amigos, colegas, netas que amo e que estão longe, parentes que não vejo há muito. Também comprei um pedacinho de chão em Jupiá, próximo ao Morro do Divisor, onde eu tento me encaixar e me adaptar a natureza plantando hortaliças, legumes, árvores frutíferas pescando, tratando galinhas e colhendo a produção”, fala. “Olhando minhas pernas, pés e braços mordidos pelos mosquitos, meu rosto e colo queimados do sol, meus cabelos arrepiados, grisalhos e secos pela falta de cuidados, corte e tintura, minhas mãos engrossando em calos, minhas unhas lascadas, roídas, machucadas pelos espinhos, pelas barbatanas e guelras dos peixes, pelos arranhões das ferpas de arame, pelas alergias de cipós, das canas de milho e folhas dos arbustos. Dentro destes 12 meses eu tento viver mais, cansar mais, colocar meu corpo pesado e judiado pela idade em outros desafios, provas que antes nunca havia estado. Cá estou com dores nas panturrilhas e na sola dos pés em virtude de andar por aí, no meio das roças, em relevo íngreme para pegar milho verde, mandioca, abobrinhas, rúculas, pepinos, couve e alfaces. Estou fazendo um caminho inverso do que muitas pessoas fazem: em vez de sossegar confortavelmente num sofá, segurando o controle remoto da TV, me reclusei no mato, para ouvir as saracuras, curucacas, quero-queros, sapos, rãs, marrecos, patos, gansos, galinhas, cachorros e o rádio”, diz.
Ainda assim, ela sente falta de poder sair, dos amigos, dos passeios e da academia.
Dentro destes 12 meses também nasceu “60 que tem histórias”, o livro que ela sempre teve vontade de escrever. “Tinha 7 anos e queria ser locutora. Achava que era só estar de banho tomado e papai poderia me colocar dentro do rádio. Quando me alfabetizei, gostava de ver o deslize do lápis desenhando as palavras e já rabiscava histórias nos cadernos, que meus pais descobriam e me davam bronca por gastar folhas tão caras”, diz.
No Ginásio, Jô fazia sua redação e as dos colegas ao lado. Depois cursou o Magistério, onde a base é a leitura e escrita e a sua graduação foi Letras. “Daí comecei escrever com mais autonomia e virou até mania”, descreve.
Jô afirma que “com certeza o isolamento deu mais gás para terminar esse trabalho. Comecei a vasculhar cadernos, agendas, caixas de apostilas em busca de textos meus”, resume.
Agora, com o livro nas mãos, marcando seu aniversário de 60 anos, celebrado em meio à pandemia, ela diz que “é um objetivo alcançado, sonho realizado, legado que deixo aos netos. Quero que me vejam uma avó corajosa, sonhadora e realizada”, diz.
As histórias de sua vida deve chegar às mãos dos parentes, colegas, amigos e outras pessoas que desejam conhecê-las. “Sou uma pessoa que gosto de me ‘encrencar’. Sou ativa e polêmica, não tenho medo de críticas. Às vezes me queimo, mas não deixo de colocar a mão no fogo. Sei que nossas energias vão secando, enquanto isso eu vou molhando…A vida é curta, não dá pra ter vergonha do que somos”, define.
Jô não vê a hora de tudo isso acabar. “Acredito que a vida vá voltar à antiga rotina, mas as pessoas serão melhores, poderão ter mais vontade de realizar sonhos, fazer algo que está guardado, por para fora suas ousadias”, espera.
Tomara, Jô, que você esteja certa! =)