Por Flori Antonio Tasca
No dia 18.02.2020, a 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo apreciou a Apelação Cível 1004438-04.2016.8.26.0451, relatada pela desembargadora Luciana Bresciani. Trata-se de um pedido de reparação por danos morais decorrentes de bullying em uma escola pública, agravados pela conduta da direção escolar.
O caso diz respeito a uma menina de 12 anos que cursava a sexta série e pesava à época 146 quilos. Em função da obesidade, ela alega que sofria constantes constrangimentos e ofensas no ambiente escolar. A situação teria feito com a que a mãe se deslocasse até a escola para expor o problema ao diretor. Este, no entanto, teria considerado que eram apenas brincadeiras de criança. A aluna e sua mãe fazem menção a um episódio específico de bullying ocorrido no transporte escolar, quando um aluno teria chamado a menina de “gorda” e “baleia”, além de insinuar que ela não conseguiria passar pela porta do ônibus.
A isso se seguiu um desentendimento envolvendo a irmã da aluna, que havia saído em sua defesa. O diretor, tomando conhecimento do episódio, teria se limitado a solicitar que os alunos pedissem desculpas uns aos outros. Alega a mãe que recomendou então ao diretor um trabalho de conscientização entre os alunos para combater o bullying. Em resposta, o diretor teria dito que o melhor seria o afastamento da aluna das aulas presenciais, com base no Decreto Lei 1.044/1969, que prevê tratamento diferenciado para os alunos portadores de afecções. Junto com a professora de Educação Física, o diretor teria então elaborado um ofício obrigando a mãe a apresentar laudo médico que atestasse as condições físicas da aluna para frequentar as aulas.
A alegação da mãe da aluna era a de que os danos morais estavam configurados não apenas pelo bullying sofrido pela filha, mas também pelo próprio tratamento dispensado pelo diretor ao caso, obrigando a criança a provar que tinha condições de frequentar as aulas. Além do mais, a mãe realmente apresentou um atestado médico que comprovava a capacidade da filha para frequentar as aulas presenciais, mas diante desse documento a direção teria intimidado a família, inclusive com ameaça de expulsão da aluna.
A mãe fez denúncia contra o diretor em uma delegacia regional, compareceu diante de uma Comissão de Supervisores de Ensino e, alegando ter sido tratada igualmente com arbitrariedade, resolveu levar o caso à imprensa e à Justiça, onde pleiteava reparação de R$ 500 mil para ela e para a filha. Em primeira instância, o Estado foi condenado a pagar R$ 30 mil de reparação à aluna, não acolhendo o pedido em relação à mãe. Houve recurso do Estado requerendo o afastamento da condenação ou a diminuição do quantum.
Entendeu a relatora que a prova oral produzida nos autos não deixava dúvidas quanto à ocorrência de bullying. As testemunhas citaram as ofensas recebidas pela aluna e também o isolamento a que estava sujeita. Além disso, evidenciava-se que os professores jamais orientaram os alunos acerca do bullying. As testemunhas ligadas à escola não narraram um único ato concreto tomado em atenção à menina e sua mãe.
Foi lembrado que as ofensas sofridas pela aluna não poderiam nunca ser tratadas como “brincadeiras maldosas”, pois não se podia admitir a diminuição do sofrimento e da humilhação experimentados por ela. A relatora ainda observou: “O caso é grave e ocorria diariamente, como narrado por uma das testemunhas. Impossível que a direção e professores não tivessem conhecimento. A omissão é evidente”.
Por outro lado, a relatora entendeu que o ofício produzido pelo diretor e pela professora de Educação Física não solicitava laudo médico para atestar capacidade física para a prática de atividades na escola, mas apenas indicava a possibilidade de exercícios domiciliares, com base no decreto citado. O problema é que não havia qualquer sinal de incapacidade da aluna para as atividades físicas na escola, havendo inclusive o relato de uma professora de que ela era uma aluna que brincava e corria como todas as crianças.
A relatora também questionou a afirmação da escola em um “Termo de Orientação”, pelo qual se dizia que o estabelecimento não tinha “recursos humanos e físicos para evitar que a aluna passe por situações de nervoso, o que eleva a pressão”. No entender da magistrada, tal alegação é inaceitável, pois a escola tem o dever de disponibilizar ambiente sadio aos seus alunos. E ainda pontuou: “Não há dúvidas de que o Estado foi omisso na condução dos episódios de ofensas sofridas dentro do ambiente escolar, deixando de tomar atitudes concretas para proteger a menor”. Ele reforçou que a sugestão para aulas domiciliares da adolescente não encontrava justificativa plausível nos documentos dos autos.
Entendeu-se que a aluna estava sob custódia do Estado, o qual tinha o dever de agir para impedir a ocorrência de constrangimentos, xingamentos e exclusão no ambiente escolar. Restou configurada, portanto, a responsabilidade objetiva estatal, sendo necessário que ele reparasse à aluna pelo dano sofrido. Apesar de confirmar a condenação inicial, a relatora entendeu que o quantum reparatório deveria ser reduzido para R$ 20 mil, valor então fixado pelo colegiado.
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