Estudante tenta suicídio após sofrer bullying

Flori Antonio Tasca

As consequências do bullying podem ser gravíssimas, como bem demonstra um caso apreciado no dia 22.05.2018 pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná. Trata-se da Apelação Cível 1.729.468-9, relatada pelo desembargador Ruy Cunha Sobrinho, referente a um estudante que tentou o suicídio após ser vítima de bullying.

Aduziu o estudante, representado por sua mãe, que teria começado a ser vítima de bullying na escola, praticado, inicialmente, por dois alunos que o ameaçavam dizendo que, caso não passasse “cola” para eles, contariam a todo mundo que ele era gay. Essa intimidação evoluiu e se transformou em agressões físicas contra o estudante, das quais tomavam parte também outros alunos da instituição. A mãe interveio e expôs a situação à direção da escola, mas consta que nada havia sido feito para solucionar o problema.

A situação, na verdade, se agravou, a ponto de o estudante, vendo-se desesperado, tentar o suicídio por três vezes, sendo então internado em uma casa de recuperação. Somente depois é que a escola teria convocado uma reunião para tratar do assunto. De todo modo, o aluno e sua mãe sustentavam que toda essa situação acarretou danos morais e que eles deviam ser reparados pelo Estado, por ser escola pública, em razão da sua omissão.

O pleito foi acolhido em primeira instância, sendo o Estado condenado a pagar à família uma reparação no total de R$ 50 mil. O Estado, contudo, apresentou recurso, sustentando que não teria ocorrido omissão, que o aluno tinha bom relacionamento com os colegas e não havia prova de abusos contra ele, que não havia nexo causal pelo fato de o aluno enfrentar problemas familiares e, ainda, que a alegada internação não foi comprovada.

Ao avaliar o caso, o relator aproveitou para tecer comentários sobre o que considerou um quadro preocupante nas escolas, com a diminuição do respeito às autoridades, o que seria consequência de uma educação muito permissiva por parte dos pais. O caso específico dos autos fez com que o magistrado também buscasse esclarecer o conceito de bullying, baseado em cartilha do Conselho Nacional de Justiça. Trata-se daqueles atos de violência, física ou não, ocorridas de forma intencional e repetitiva, sem qualquer motivação justificável, contra um aluno que se encontra impossibilitado de se defender.

Na sequência, sustentou-se que, nos casos em que uma lesão for provocada por omissão do Estado, ele responderá subjetivamente pelos danos causados. A sua responsabilidade, assim sendo, exige a comprovação de que tenha incorrido em culpa, seja por meio de imperícia, imprudência ou negligência. Como se sabe, durante o período das atividades escolares o Estado tem o dever de promover a segurança, a fiscalização e a vigilância dos seus alunos, para garantir a preservação da integridade física e moral. Desse modo, a Administração Pública responde pelos danos provocados em seus alunos.

No caso específico do processo, ficou comprovada a ocorrência de bullying contra o aluno, bem como a falta de atuação da escola para conter o evento. Testemunhas chegaram a citar outros episódios de bullying contra a vítima, como quando foi derrubado no chão e começaram a esfregar uma laranja na cabeça dele. São relatadas ainda hostilidades no momento em que ele lia um texto, situação que teria feito com que saísse correndo. O próprio fato de o aluno ser o número “24” na chamada lhe trazia muitos constrangimentos, como foi evidenciado nos depoimentos. Contudo, ninguém citou atitudes que a escola pudesse ter tomado para coibir o bullying e preservar o aluno sob os seus cuidados.

Assim sendo, o relator considerou evidente não apenas a humilhação a que o aluno esteve sujeito, mas também a inércia da escola, mesmo depois de ter ciência dos fatos. Ainda que se admita que o aluno tivesse “problemas familiares”, o Estado não comprovou que tenha sido esse um dos motivos para as tentativas de suicídio. O nexo de causalidade do caso foi verificado pelo fato de dois professores revelarem que a coordenação pedagógica tinha conhecimento das situações vexatórias ocorridas e é reforçado pela circunstância de ter sido realizada uma reunião sobre o caso apenas após uma tentativa de suicídio.

O Estado, em suas alegações, não conseguiu demonstrar que a direção da escola tenha agido de forma eficiente para impedir o bullying contra o aluno. Estavam comprovados o nexo de causalidade e a omissão estatal. Os danos morais, por sua vez, foram tidos como evidentes diante do contexto fático. O aluno sofreu violência psicológica no ambiente escolar, local onde deveria estar seguro para ter um bom rendimento. As tentativas de suicídio, devidamente comprovadas por prontuários médicos, evidenciavam a incidência de um trauma psicológico persistente decorrente dos eventos de bullying sofridos.

Todavia, entendeu o relator que o valor fixado em primeira instância a título de reparação por danos morais era exorbitante. Ele o teria reduzido para R$ 10 mil, mas as tentativas de suicídio, que demonstram a maior extensão do dano, fizeram com que sugerisse R$ 15 mil de reparação. Os pares foram da mesma opinião e esse se tornou o valor reparatório.

Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, fa.tasca@tascaadvogados.adv.br

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