A conta – excluindo da composição do rendimento familiar os valores recebidos com o auxílio emergencial e com benefícios estaduais e municipais complementares – divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é hipotética, mas bem poderia descrever as agruras de Daniele, de 23 anos, que ontem, ao lado da mãe, Edinalva, catava alimentos de caçambas de descarte na Ceasa, central de comercialização de legumes e frutas na zona norte do Rio. Mãe de gêmeos, Daniele enfrentou a crise da pandemia sem o auxílio emergencial.
GRAVIDEZ DE RISCO. “Minha gravidez foi de risco, e fiquei a maior parte do tempo internada”, disse, enquanto garimpava bons dentes de alho em meio a centenas de outros cujo destino será o lixo. “Por causa disso, não consegui ir resolver e fiquei sem o auxílio emergencial. Agora, tenho de colocar meus filhos no Bolsa Família, né? Não consegui resolver ainda.”
A mãe de Daniele, que divide a casa com a filha e outras oito pessoas, cata alimentos na Ceasa há quase duas décadas. O auxílio emergencial no ano passado “ajudou um pouquinho”, mas não resolveu. “Ganhei R$ 1.600 da primeira vez, depois R$ 600, depois R$ 370… Agora, está R$ 320. Só foi diminuindo, e as coisas todas aumentando. Você leva as coisas daqui, mas tem de cozinhar. Antes, você tem de lavar, e o custo da água está um absurdo. O gás, eu pago R$ 95”, disse Edinalva.
Embora estude a desigualdade de renda no Brasil há anos, Marcelo Medeiros, professor visitante da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, se disse “chocado”. Com os benefícios governamentais, o grupo de 21 milhões de brasileiros mais pobres sobreviveu em 2020 com R$ 128 mensais por pessoa da família. Embora ainda insuficiente, o montante representa uma alta de 14,9% ante os R$ 111 mensais de 2019.
A injeção bilionária de recursos extraordinários fez o número de brasileiros abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial cair, em 2020, ao menor nível desde 2014. Ainda assim, praticamente um em cada quatro brasileiros (24,1% da população) viveu abaixo dessa linha no ano passado. São quase 51 milhões de pessoas com menos de R$ 450 por mês. Não fossem os programas de transferências de renda, o contingente seria quase um terço da população (32,1%). Em 2019, a proporção era de 25,9%.
Mesmo com o auxílio emergencial, 12,046 milhões (5,7%) viveram abaixo da linha de miséria (rendimento médio mensal de R$ 155 por pessoa) em 2020, o menor nível desde 2015. Sem os benefícios, seriam mais do que o dobro: 27,313 milhões (12,9% dos habitantes, ante 6,8% em 2019). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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