O diplomata garantiu que seu país não tem a intenção de “desafiar ou substituir” ninguém, nem exportar ideologia ou buscar a hegemonia do mundo. Quer, no entanto, ser visto com uma visão “racional e objetiva”. Um dos pontos mais delicados no momento é em relação à tecnologia 5G, usada pelos EUA, segundo ele, como “bullying tecnológico”.
Sobre o Brasil, Wanming afirmou ter uma sintonia na visão das relações diplomáticas entre a China e o Brasil depois da troca de comando no Itamaraty de Ernesto Araújo para Carlos Alberto Souza Franco. O chanceler vê ainda disposição em novas parcerias em vacinas e oportunidades para a exportação de produtos com maior valor agregado do Brasil para seu país. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida por e-mail. A íntegra pode ser lida no site do Estadão.
Como está a relação entre EUA e China nestes primeiros meses do governo do presidente Joe Biden?
As relações China-EUA encontram-se numa nova encruzilhada, e a chave da questão é saber se os Estados Unidos conseguem aceitar ou não a ascensão pacífica de um grande país com diferença no sistema social, na história, cultura e estágio de desenvolvimento, e se reconhecem ou não que o povo chinês também tem o direito de buscar o progresso. A política externa da China visa a uma relação sem confronto, pautada no respeito mútuo e na parceria de ganho mútuo. Ao mesmo tempo, defende a soberania, a segurança e os interesses de desenvolvimento da China. Esperamos que a parte americana possa avançar em direção a um meio-termo em busca de uma convivência pacífica e parceria de benefício recíproco. Isso favorece à China, aos EUA e ao resto do mundo.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Como o senhor enxerga o futuro?
A China se mantém há 12 anos como o maior parceiro comercial do Brasil, o primeiro país da América Latina a ter um volume acima de US$ 100 bilhões. Mesmo na pandemia, esse comércio apresentou um crescimento robusto, que responde por quase 70% do superávit brasileiro. Nos próximos dez anos, a China importará cumulativamente US$ 22 trilhões em bens, criando oportunidades para a exportação com maior valor agregado.
Qual é sua expectativa para as negociações em torno do 5G??
O 5G vai dar um impulso ao crescimento econômico dos países e é fundamental para qualquer país escolher equipamentos verdadeiramente confiáveis, avançados e de melhor custo-benefício. Os consumidores só se beneficiarão com uma concorrência justa, equitativa, aberta e transparente. Mesmo com um histórico manchado em matéria de segurança de internet e autor descarado de ataques cibernéticos contra outros países, os EUA têm usado repetidamente o pretexto de segurança nacional para cercear empresas chinesas de alta tecnologia e interferir na escolha autônoma de parceiros de 5G por outros países. O objetivo não é, de forma alguma, proteger a segurança cibernética, mas sim manter sua rede de vigilância e a hegemonia digital, um ato típico de bullying tecnológico. Acreditamos que o governo brasileiro levará em conta os próprios interesses para viabilizar uma concorrência leal entre as empresas com regras transparentes, imparciais e sem discriminação.
Há preocupações em relação a investimentos e compra de ativos no País e no mundo. Este é um movimento que antecede a liderança global chinesa?
Como segunda maior economia do mundo, a China se integra cada vez mais à economia mundial. Isso é um fato e uma tendência. A China tem no Brasil um aporte de mais de US$ 80 bilhões em uma ampla gama de setores, criando mais de 40 mil empregos diretos. Essa parceria tem como objetivo promover o ganho mútuo e o progresso comum.
O senhor notou melhora nas relações com o Brasil depois da troca de embaixador, de Ernesto Araújo para Carlos Alberto Franco?
O primeiro chanceler estrangeiro com quem o ministro Carlos Alberto França conversou por telefone foi o senhor Wang Yi, conselheiro de Estado e ministro das Relações Exteriores da China. Também mantenho contatos frequentes com o ministro, que tem reiterado que as relações com a China são uma prioridade da diplomacia brasileira. A parte chinesa pensa da mesma forma. Desde o início da pandemia, venho mantendo a comunicação, principalmente em parceria nas vacinas, e falamos sobre a investigação da origem do vírus. A China foi o primeiro país a assumir o compromisso de tornar as vacinas um bem público internacional. Ao tratar o Brasil como parceiro prioritário, também foi o primeiro a desenvolver a parceria com vacinas. Poucas entregas de vacina pronta e de IFA (ingrediente farmacêutico ativo, usado na produção das vacinas) têm a rapidez como as enviadas pela China ao Brasil. O país enfrentou pressões oriundas do desequilíbrio entre a oferta e a procura global, a demanda da vacinação no próprio território e o limite de produção dos laboratórios. Estamos envidando esforços para assegurar a entrega de vacinas e IFA ao Brasil. Além disso, gostaríamos de realizar novas parcerias em vacinas.
O senhor acredita que teremos essa resposta sobre a origem do vírus?
Investigar a origem de um vírus é uma questão científica que não deve ser politizada. Estigmatizar ou politizar o assunto, além de antiético, só irá dificultar a cooperação global, minar os esforços conjuntos e custar mais vidas. Peritos da OMS chegaram a algumas conclusões importantes: é altamente improvável uma fuga laboratorial, não foi detectado nenhum surto relevante em Wuhan antes de dezembro de 2019 e a procura de casos precoces deve continuar. Teorias de conspiração como a de que “o novo coronavírus teria saído de um laboratório” foram propagadas por alguns, de modo a distorcer o conhecimento científico, exacerbar confrontos no mundo e ameaçar a rastreabilidade do vírus. A China continuará a cooperar com a investigação da origem do vírus.
O mundo está pronto para ver a China como a maior potência global?
A China está construindo um novo paradigma de desenvolvimento, mas ainda há problemas com a inadequação no seu desenvolvimento. A sabedoria de milênios de história da China nos ensina que a hegemonia levará ao declínio de um Estado e a força de um país não resulta inevitavelmente em hegemonia. No gene da nação não há traços agressivos ou hegemônicos. Não temos a intenção de desafiar ou substituir ninguém, nem exportar ideologia ou buscar a hegemonia do mundo. O país segue uma trajetória de ascensão pacífica, diferente do percurso tradicional das grandes potências. Ao mesmo tempo, a comunidade internacional precisa olhar a China com visão racional e objetiva.
O Partido Comunista da China completou um século neste mês. Como será o próximo?
No primeiro centenário, o país construiu uma sociedade moderadamente próspera. Inicia no segundo a transformação em um país socialista modernizado e poderoso. O socialismo com características chinesas é o caminho assentado em sintonia com a realidade nacional e a tendência dos tempos. Os diferentes percursos históricos deram origem a uma profusão de culturas e sistemas sociais, o que faz com que existam vários modelos de democracia. Para 2049, o governo cria um novo paradigma de desenvolvimento e eleva seu nível de reforma e abertura ao exterior. Sozinho, nenhum país estará imune aos riscos e desafios globais.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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