Os generais foram indagados sobre as constantes aparições de Bolsonaro em solenidades militares das Forças Armadas e em formaturas de cadetes e sargentos. Eles explicaram aos seus interlocutores que não podem impedir a presença do presidente nesses eventos, mas que ela não será suficiente para romper a hierarquia. Ou seja, afastaram a hipótese de Bolsonaro contar com insubordinação nas Forças.
Os chefes militares, porém, externaram preocupação de que o presidente e seus aliados tentem fazer isso – e tenham sucesso – com as Polícias Militares. O risco de rompimento da cadeia de comando nas PMs é monitorado pelas Forças Armadas. Os ex-presidentes que se mobilizaram para contatar os militares são Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, José Sarney e Fernando Collor.
Todos receberam as mesmas informações de seus contatos. Peças-chave nessa articulação são os ex-ministros da Defesa, Nelson Jobim, Raul Jungmann e Aldo Rebelo. Também participa desse movimento o professor de filosofia Denis Lerrer Rosenfield, que é amigo de Temer e mantém boas relações com generais, como o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Sérgio Etchegoyen e com o vice-presidente Hamilton Mourão. Pelo menos seis generais da ativa e da reserva forneceram os relatos sobre a situação do Exército.
“Antes de mais nada, essa não é uma discussão boa para o País, uma discussão que tem como agenda o envolvimento de militares na política. Não é um bom sinal”, disse o ex-ministro Aldo Rebelo. Segundo ele, “a boa notícia dentro da má notícia é que os militares não estão interessados em desempenhar um protagonismo na desorientação que estamos atravessando”. Aldo diz ser consultado quase diariamente. “Acompanho esse tema há muito tempo. E converso com os ex-presidentes.”
Direto. Dos ex-presidentes, um manteve contatos diretos com militares. Trata-se de Fernando Henrique Cardoso. O tucano ouviu que não há hipótese de o Exército embarcar em uma aventura. O estabelecimento militar estaria se descolando do chamado “partido militar”, os oficiais que se uniram para fazer política com Bolsonaro. Há, porém, desconforto com a postura dos comandantes da Marinha, almirante Almir Garnier, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior.
Quem recebeu mais informações foram os interlocutores de Temer. “Não há possibilidade de o Exército participar de uma ruptura. Nossos generais são constitucionalistas”, disse Rosenfield. Temer, FHC e Sarney vão participar no dia 15 de um debate com o tema Crise Institucional e a Democracia, que será mediado pelo ex-ministro Jobim. Seus partidos – MDB e PSDB -, além do DEM e do Cidadania, articulam uma chapa única para as eleições em 2022.
Jobim é também interlocutor de Lula com os militares. O petista recebeu o mesmo diagnóstico de seus colegas. Sabe que existem resistências ao seu nome entre os representantes das Forças Armadas. Primeiro, em razão da Comissão Nacional da Verdade (CNV), patrocinada pelo governo de Dilma Rousseff (PT) – única excluída das conversas. Os generais afirmam que a CNV deixou marcas em todos os graus da oficialidade. Eles ainda têm reservas a Lula em razão das ações na Justiça contra o ex-presidente. Anteontem Lula jantou com José Sarney, no Maranhão.
A posição de Lula nas pesquisas é apontada por militares aos interlocutores dos ex-presidentes como uma das razões para a manutenção de parte do apoio na caserna a Bolsonaro. Há entre os generais muitos que sonham ou com a candidatura de Mourão à Presidência ou a consolidação de uma alternativa a Lula e a Bolsonaro em 2022.
Jungmann afirmou que é preciso lembrar que o cenário atual é completado pelo fato de Bolsonaro assediar as Forças Armadas, “fazendo bullying de forma contínua”. Ele citou as demissões dos comandantes militares em março, a falta de punição ao general Eduardo Pazuello, a resposta dos comandantes das Forças ao senador Omar Aziz (PSD-AM), a entrevista do brigadeiro Baptista Junior ao jornal O Globo, a revelação pelo Estadão das ameaças do ministro Walter Braga Netto às eleições e o desfile de tanques da Marinha em Brasília no dia da votação do PEC do voto impresso como os componentes do cenário que fizeram aumentar os temores do mundo político. “O presidente – por atos, falas e narrativas – vem traçando um cenário de conflito para 2022. Corteja de maneira inadequada as PMs, ataca o Supremo. Mas é um erro pensar que o Exército pode ser usado em um golpe.”
Governadores. Além dos ex-presidentes, os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) receberam o mesmo relato. Leite esteve com o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e com o comandante militar do Sul, Valério Stumpf. A agenda pública previa tratar da instalação de uma escola de sargentos no Estado. Na conversa, Paulo Sérgio reafirmou a Leite seu “compromisso e o do Exército com a legalidade e com o respeito à Constituição”.
Há duas semanas, o general João Camilo Pires de Campos, secretário da Segurança de São Paulo e interlocutor de Doria, disse ao Estadão que o Exército não vai participar de aventuras. “Não vai. Não vai. É o Exército profissional que todos conhecemos e admiramos.”
A reportagem conversou com três oficiais generais, dois deles citados pelos interlocutores dos ex-presidentes. Um lembrou à reportagem que a sua geração de generais teve como instrutores os oficiais que participaram da deposição de João Goulart, em 1964, e pagou o preço do apoio à ditadura sem ter sido a responsável pelo regime.
De acordo com sua análise, toda vez que se fala em golpe, as pessoas esquecem de responder o que o golpe é, o que é necessário para fazê-lo e quais as suas consequências. Não existem no País, segundo ele, as condições internas e externas que levaram à ruptura institucional de 1964. Não há apoio do empresariado, da Igreja e da imprensa a uma ruptura. E, sem apoio popular, nada seria possível. Desde a redemocratização, o País viveu inúmeras crises sem retrocesso. Os generais lamentam o envenenamento do ambiente político do País e um deles reclamou do que chamou de erro: isolar os militares, o que pode jogá-los no colo de Bolsonaro.
Para Aldo Rebelo, a disputa eleitoral de 2022 é um problema que os civis devem resolver. “Não são os militares que vão resolver problemas criados pelos civis. Eles já são responsáveis por muita coisa importante.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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