Nosso momento presente é único, mesmo muito estranho e em certo sentido nos faz arrepiar, haja vista a profusão de eventos quase que instantâneos chegando em nossas casas, de bom alvitre muitas vezes é melhor desligarmos nossas conexões, talvez não com tudo, claro, pois o que acontece em outras plagas respinga em nós quase que de modo instantâneo. Nesse exato momento, a maioria de nós está preocupada com o tarifaço global americano, no fundo uma guerra comercial sem precedentes, que caso não seja discutida, analisada e tratada de modo adequado por todas as partes, poderá descambar para outro tipo de guerra e com consequências para ambos os lados; a economia é apenas uma das tantas questões que permeiam nossas vidas, não é a principal e nem a mais insignificante delas; seria tão bom se déssemos a mesma atenção para outras tantas realidades da vida.
Voltemos no tempo, um passado recente, precisamente três décadas atrás, em pleno solo europeu, o maior massacre desde os tempos da Segunda Guerra Mundial, cidade de Srebrenica, local onde foi perpetrado um dos maiores massacres de que temos notícias, mas que por alguma razões foi devidamente levado para debaixo dos inúmeros tapetes que cobrem as monstruosidades humanas em nossas já debilitadas consciências. Esse império do mal se deu na Europa que sempre gosta de proclamar a sua luta pela paz, mas que em seu próprio solo não teve a coragem suficiente para levantar a voz e muito menos ajudar as milhares de pessoas que ali morreram sob os olhares complacentes e marejados de hipocrisia da ONU, da OTAN e diversos governos ao redor, mais de oito mil vidas ceifadas assim do nada; ali o ser humano tornou-se menos do que nada, um simples não vivente.
Trinta anos depois, é preciso fazermos um enorme exercício mental, uma volta triste do pensamento, para lembrarmos desse episódio sombrio que deixou marcas profundas e também discípulos hoje, todos aptos a levarem adiante a ideia de morte generalizada, três décadas atrás era mais fácil esconder essa matança, mas graças ao bom Deus, sempre surgiram pessoas destinadas a não deixar esses crimes serem esquecidos, mesmo com toda uma máquina propagandista contrária. Srebrenica, continua assombrando o mundo do século XXI, ela mostra por inúmeros meios o quanto houve e progrediu o desordenamento humano, o que ocorreu ali gerou inúmeras incertezas e imprevisibilidades que o atual século não fez absolutamente nada para não corrigir; de lá para cá, o mundo passou por diversas fases, culminando agora em um mundo sem regras e sem valores.
Precisamos ter muita coragem ao falarmos de progresso humano hoje, no mais das vezes nos deixamos engabelar por coisas tão banais, que é difícil entender o ser humano da técnica, do resultado imediato, nunca nos sentimos tão seguros e ao mesmo tempo não nos damos conta da nossa imensa fragilidade, das fantasias otimistas que rondam nossas vistas, da artificialidade da vida que via de regra entrega muito pouco. Fazemos de conta que não existem limites e muito menos contradições em nosso redor, há muitas razões para a nossa quase total irrazoabilidade; o sofrimento perpetrado de modo generalizado em Srebrenica, reverbera hoje em muitos lugares do planeta, em especial Gaza, um laboratório a céu aberto sob as formas variadas de matar inocentes, até agora elas tem sido eficazes e o mais impressionante, com as bênçãos da esquálida e fraca comunidade internacional.
Bioeticamente, Srebrenica e Gaza, são duas realidades ultrajantes, porque ambos deram e continuam dando muito lucro, uma violação sem precedentes dos direitos humanos mais elementares, uma farsa habilmente construída e posta em prática por aqueles que deveriam zelar pela integridade física e moral daqueles inocentes. Tiranos ontem, tiranos hoje, talvez sempre os teremos, esses são doutores em termos de reinvenções, sabem como poucos usar a arte do esquecimento, da falácia, do engodo, da dissimulação em proveito próprio. O momento pelo qual a humanidade passa, exige muita audácia, coragem, perspicácia e principalmente responsabilidade; dá para notar claramente que muitos querem uma sociedade amorfa, sem voz, envolta numa profunda tibieza ou quando muito com uma simples paixão carente; o mal nunca venceu, nem dessa vez ele será o vencedor.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com





