Damasceno é um dos artistas brasileiros com maior presença no cenário internacional, tendo participado das bienais de Veneza e Sidney, além de estar representado em coleções de peso (Cisneros). Uma das obras apresentadas na Pina Estação, Trilha Sonora, foi exibida na 25ª Bienal Internacional de São Paulo (em 2002). Passadas duas décadas, a peça ainda provoca grande impacto com suas fileiras de 3 mil martelos pregados na parede, que formam o desenho de uma cordilheira. Há também na mostra peças inéditas, como três bordados de lã (Pontinho, de 2017), uma escultura de pedra obsidiana (Sólido, de 2019) e Monitor Líquido (deste ano), resultante de um processo em que o giz de cera é derretido.
Tudo no trabalho de Damasceno remete ao processo de construção arquitetônica, o que não surpreende quando se sabe que o artista frequentou um curso regular de arquitetura que não chegou a concluir. Isso explica o processo embrionário de Método para Arranque e Deslocamento, instalação concebida para o Espaço Sérgio Porto, no Rio. “Fiz uma maquete e passei um ano maquinando o que eu deveria fazer com ela, até decidir cortar o carpete aos pedaços e ocupar uma sala inteira do Espaço, em 1993.” A mostra foi sua primeira individual. Damasceno acabara de completar 25 anos e ainda não frequentava o circuito internacional, o que só aconteceria na virada do século.
Outro segmento da mostra acentua a relação de Damasceno com a arquitetura. Moto-contínuo exibe 26 desenhos (em diferentes técnicas como nanquim, grafite e decalque) e dois polípticos de serigrafia feitos a partir de desenhos. A relação entre a representação bidimensional e a projeção tridimensional é um aspecto visceralmente ligado à formação arquitetônica do artista, também um grande leitor. “Posso dizer que a minha formação foi nas bibliotecas dos museus, especialmente a do MAM do Rio, lendo sobre artistas e movimentos históricos.” Damasceno sente-se ligado aos artistas construtivistas (neoconcretos, em particular) por afinidade, mas sabe que seus trabalhos são descritos muitas vezes pelos críticos como obras “surrealistas’, o que não o incomoda.
Exemplo dessa “filiação’ é a obra (uma versão em carimbo) Organograma (2000-2021), formada pelas palavras “ontem, hoje e amanhã”, gravadas sequencialmente em linhas na parede, como ramificações arborescentes que subvertem o curso do tempo. O MoMA de Nova York tem uma versão do desenho (de 2002) em seu acervo. Não é impertinente evocar a relação do corpo com a escrita do surrealista belga Henri Michaux quando se veem essas ramificações. “Eu refuto o surrealismo como categoria, mas ele é, sim, uma fonte, não tem como ignorar”, diz Damasceno, observando que a relação da arte com o tempo “é muito particular”, citando, por exemplo, a pulsação de Magritte e Arp no imaginário contemporâneo, tanto quanto a vida da Virgem na capela de Scrovegni, pintada por Giotto no século 14.
“Damasceno é associado ao surrealismo, à representação do fantástico, mas, na verdade, seu trabalho é uma intensificação do real, caso da obra Can You Hear Me?, de 2006, que usa dois trompetes verdadeiros que perdem sua função ao serem unidos”, define o curador da mostra, que tem ainda fotografias feitas pelo artista. “O seu é um trabalho de construção e desconstrução contínua, que recorre a grandes quantidades de um mesmo item, sejam martelos ou cigarros, remetendo, por exemplo, a Tony Cragg ou, em outras obras, a Walter de Maria e Richard Long.” Na mostra, há ainda uma versão de Re:pública (2017) no andar térreo da Pina Estação, visão irônica sobre a falta de direção do olhar da República, representada por uma cédula de real – familiar e reconhecível – em que a figura se mostra insegura e perplexa. Não é para menos diante da situação da República real.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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