Para Adriana Urrutia, presidente da Asociación Civil Transparencia e diretora da Escola Profissional de Ciência Política da Universidade Antonio Ruiz de Montoya, os próximos dias serão decisivos para a oposição, que definirá sua nova estratégia, o Parlamento, que precisará estabelecer alianças e consensos, e o partido de Castillo, Peru Libre. Confira a entrevista completa:
O Peru vive um longo período de instabilidade política. O resultado dessas eleições pode colocar um fim nisso?
Acredito que essas eleições são a continuidade de um processo de polarização e que a proclamação de Pedro Castillo como presidente não significa necessariamente o fim dessa confrontação. Keiko Fujimori disse que reconhece os resultados porque a lei obriga, mas fala sobre a ilegitimidade desse resultado. Isso pode ser lido como um indício de que a confrontação política do fujimorismo, enquanto oposição, pode continuar. O fujimorismo vem ocupando este lugar desde 2011, quando Keiko se apresentou como candidata à presidência pela primeira vez, mas foi se tornando muito mais relevante após conquistar a maioria parlamentar em 2016, e agora os fujimoristas têm levado o processo para a confrontação e até mesmo para a violência. Não só os fujimoristas, mas também os partidários de Pedro Castillo têm entrado em um clima de confronto que não nos permite pensar que a proclamação desta segunda-feira marca o início de uma nova etapa política no país. É por isso que a sociedade civil torna-se muito mais importante: os partidos políticos não estão sendo um veículo de consenso. São os partidos políticos que levam a sociedade peruana ao confronto.
A declaração de Keiko de que aceitará o resultado é suficiente para evitar tumultos por parte de seus apoiadores?
Não é certo, porque temos visto muitos episódios de violência nesses dias. Não é possível dizer que isso acalmará o grupo La Resistencia, a ala mais radical entre os seus apoiadores, mas acho que é o início do reconhecimento que o partido Fuerza Popular perdeu. É o início de seu papel enquanto partido político da oposição. Nesses próximos dias, veremos qual vai ser a estratégia que o Fuerza Popular vai utilizar para se posicionar enquanto oposição.
Um cenário muito comentado aqui no Peru é a possibilidade de que o governo de Castillo não dure muito tempo. Porque no Peru, como no Brasil, o Parlamento tem poder para conduzir um impeachment presidencial. Isso criaria uma instabilidade, como aconteceu com Vizcarra e PPK. Então o Parlamento é outro ator muito importante na transição que veremos nos próximos dias, nos próximos meses. É o Parlamento mais fragmentado deste século. São dez partidos entrando agora, ninguém tem a maioria, vai ser muito complexa a relação para estabelecer alianças e consensos. Também vamos ver qual vai ser a dinâmica do Peru Libre. Porque Castillo é o candidato presidencial, mas Cerrón é o líder. E há muita discussão sobre a relação entre os dois e qual peso Cerrón terá na escolha de ministros de Estado e do primeiro gabinete ministerial de Castillo.
Quais são os principais desafios de Castillo?
O desafio imediato é garantir a transição nos dez dias que restam para concluir a transferência de governo. No Peru, a transição acontece a cada cinco anos, no dia 28 de julho, quando se comemora a independência — ou seja, em menos de dez dias. Ele precisa formar uma equipe que vai ocupar o Estado, passar de candidato a líder da nação. Precisará convocar técnicos e reunir forças políticas para que seu gabinete tenha respaldo e apoio do Parlamento, porque o Parlamento pode não aprovar a equipe ministerial. Muita gente acredita que esse gabinete precisa ser de base social diversa, representar diferentes partidos políticos e setores sociais. Castillo foi eleito com uma agenda de transformação social, então vai haver muita pressão para que os diferentes líderes sindicais e sociais também se reconheçam. Esse é o desafio imediato. A curto e médio prazo, o desafio é sair da crise — uma crise muito parecida com a do Brasil. Castillo vai ter que recuperar a economia, reformar o sistema de saúde, porque a crise tornou evidente que a saúde no Peru não funciona, e garantir o retorno às aulas. A longo prazo, o grande desafio é manter-se no poder.
Castillo conseguirá implementar sua agenda econômica?
Eu me atreveria a dizer que a agenda econômica de Castillo não é tão clara. Eu sou presidente de uma associação civil (Transparência), e precisei enviar aos candidatos um pedido, na metade do segundo turno, para que eles informassem quais eram seus projetos. Foi lá e nos debates organizados pelo JNE (órgão eleitoral) que os dois finalistas falaram sobre o que pretendiam fazer, mas não havia muita informação. Além disso, nos últimos dias tem se mantido muito reservadamente quais são as próximas ações. Pedro Franke é a cara mais conhecida entre os assessores de economia de Castillo. É um professor universitário, técnico, de esquerda. Nos últimos tempos, é ele quem fala sobre as propostas econômicas, mas não há grandes anúncios. Fala-se muito da necessidade ou interesse, por parte do próprio Castillo, de garantir um debate, em termos de estabilidade. Então vamos ver quais declarações são dadas nos próximos dias. Também é importante acompanhar quem será escolhido para ocupar o cargo de ministro da Economia.
O que acontece agora com Keiko?
Ela é sem dúvidas a líder do fujimorismo, e o fujimorismo foi capaz de agrupar nessas eleições um setor da população que não havia votado por eles anteriormente. Com certeza, eles serão a principal voz da oposição, e Keiko será a líder dessa oposição. Mas ela também tem um processo em curso, e precisamos ver o que acontecerá. De qualquer forma, acho difícil imaginar uma posição não confrontacional, depois do que vimos nessas últimas eleições. É uma situação de conflito, um país que tem se polarizado precisamente pelos líderes políticos que tem. O Peru celebra em breve 200 anos de independência, e os desafios de construção de Estado, de institucionalidade, de coletividade política, continuam presentes.
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