Não à toa, todas as atenções das provas de sua modalidade nos Jogos de Tóquio estão voltadas para ela. Não é por menos. Biles acostumou-se a exibir ao público elementos com um grau de dificuldade tão elevado que suas adversárias nem se arriscam a tentar imitá-la.
Após tornar-se tetracampeã olímpica com apenas 19 anos nos Jogos do Rio, em 2016, a Olimpíada de Tóquio poderá alçar a atleta ao status de ícone histórico do esporte não apenas pelo seu superfavoritismo, mas principalmente devido a sua força dominante na ginástica artística feminina. Se ela saiu do Rio de Janeiro dizendo que não pretendia “ser a nova Usain Bolt nem a nova Michael Phelps ou a nova Michael Jordan”, os Jogos de Tóquio deverão mudar o rumo dessa história.
Graças ao seu repertório inesgotável de movimentos, Biles poderá provar no Japão que é aquele tipo de atleta capaz de elevar o esporte a níveis difíceis de se imaginar. Tanto é que sua luta diária é contra o espelho. “É estressante quando saio de casa para competir porque tento sempre ser melhor do que fui na última disputa. Então, estou tentando me vencer”, disse recentemente à rede americana NBC. “Às vezes, eu me pego pensando: ‘posso fazer de novo? Posso ser tão boa assim?'”
Biles já ganhou tudo que podia, construiu uma dinastia rara de ser vista, mas quer sempre mais. Por isso, sua motivação para os Jogos é enorme. “Se decidi estar em Tóquio é porque quero desafiar a mim mesma e inspirar outras pessoas”, disse na série documental “Biles & herself” (algo como “Biles e ela mesma” em tradução livre).
É difícil explicar Biles em palavras. Num resumo mais simplório, a ginasta é espetacular por combinar tão bem potência e coordenação motora. Quando parte em disparada para saltar, tudo acontece tão rápido que, às vezes, é preciso rever o movimento repetitivamente em câmera lenta para tentar decifrá-lo. A revolução nos movimentos de Simone Biles desde a última Olimpíada foi tanta que muitas vezes deixou árbitros da Federação Internacional de Ginástica sem saber bem que nota dar a ela diante de manobras tão complexas e perfeitas.
Destemida e por vezes dona de movimentos considerados perigosos, nem mesmo a paralisação nos treinos por causa da pandemia parece ter afetado o rendimento da americana. Ela assombrou o mundo do esporte em maio deste ano, quando, depois de 18 meses sem competir, entrou para a história como a primeira mulher a completar o dificílimo “Yurchenko com duplo mortal carpado” em um torneio nos Estados Unidos.
A manobra consiste em saltar apoiando-se sobre as mãos, de costas, no cavalo, impulsionando o corpo a uma altura suficiente para completar dois giros com o corpo dobrado e as pernas esticadas. Antes dela, esse salto só havia sido executado por homens. E, mesmo assim, pouquíssimos homens.
Desde que surgiu no cenário internacional, com apenas 13 anos, a ginasta vem pulverizando recordes e superando grandes nomes históricos da ginástica. Em Tóquio, a expectativa é de que não seja diferente. Quando o assunto é Campeonato Mundial, por exemplo, ninguém subiu tantas vezes ao pódio como Simone Biles, que deixou para trás a lendária Vitaly Scherbo, de Belarus, após amealhar 25 medalhas na carreira, superando o recorde anterior de 23 pódios.
TERRA NIPÔNICAS – Biles começou a causar alvoroço no Japão antes mesmo do início dos Jogos. Quando surgiu a notícia de que uma atleta reserva da equipe havia testado positivo para o novo coronavírus no campo de treinamento que o time realizava em Narita, a cerca de 50 quilômetros de Tóquio, a principal preocupação era saber se Biles tinha tido ou não contato com a ginasta. O alívio veio dois dias depois com o exame para covid-19 negativo de Biles.
Antes disso, no entanto, o Comitê Olímpico dos Estados Unidos havia agido rapidamente para retirar a sua maior estrela da Vila Olímpica, hospedando-a em um hotel. A blindagem a Biles é tamanha que ela não participou da cerimônia de abertura dos Jogos, sexta-feira. Pelas redes sociais, a ginasta foi clara ao listar os motivos da sua ausência: 1) covid; 2) ficar muito tempo de pé. Os EUA foram à abertura com cerca de 200 atletas entre os 600 de sua delegação.
Até um simples treino no Centro de Ginástica Ariake foi o suficiente para atrair a atenção não só das câmeras, mas dos olhares das adversárias. Teve até aplauso das outras delegações.
Desde a espetacular atuação nos Jogos do Rio, muita coisa mudou na vida de Simone Biles. Primeiro, ela tirou um período sabático e depois trocou de treinadora. Saiu Aimee Boorman, com quem trabalhava desde os sete anos, e entraram os franceses Laurent e Cecile Landi.
ATIVISMO – É preciso, no entanto, destacar que a condição de protagonista de Biles nos Jogos de Tóquio não foi construída apenas pelos seus ótimos resultados. A maneira como se posicionou em temas considerados espinhosos por muitos atletas fez com que o mundo olhasse com mais atenção para ela.
Em 2018, Biles se solidarizou às companheiras de equipe e teve a coragem de ir às redes sociais para fazer a sua própria confissão de que era uma “sobrevivente” dos abusos sexuais praticados pelo ex-médico do time americano de ginástica Larry Nassar, condenado à prisão perpétua. Mais: entrou com um processo coletivo contra a Federação de Ginástica dos Estados Unidos e o Comitê Olímpico e Paralímpico do país acusando os dirigentes de fazerem vistas grossas aos abusos e não colaborarem com as investigações. O escândalo abalou as estruturas do esporte nos EUA e derrubou toda a cúpula da Federação de Ginástica do país.
Biles foi além e se engajou também nas causas do feminismo e da igualdade racial. Na campanha presidencial dos Estados Unidos, por exemplo, posicionou-se contra Donald Trump em apoio a Joe Biden e Kamala Harris. Também mostrou sua indignação após o ataque ao Congresso em janeiro deste ano. Biles, definitivamente, não é só uma atleta vencedora.
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