A produção é um reencontro do diretor com o ator Christian Malheiros, descoberto entre mil candidatos para fazer o papel principal em Sócrates e que concorreu ao prêmio de melhor ator no Spirit Awards contra Ethan Hawke e Joaquin Phoenix. “Eu escrevi o roteiro para ele”, contou Moratto. “Queria continuar essa parceria que foi tão boa para nós dois.” A diferença está no orçamento. Sócrates foi feito com US$ 20 mil (cerca de R$ 103 mil no câmbio de hoje). 7 Prisioneiros tem produção de Fernando Meirelles e Rahmin Bahrani e é bancada pela Netflix, que pretende lançar o filme em novembro.
Aqui Malheiros é Mateus, um menino do interior de São Paulo com poucas perspectivas na vida, que aceita um trabalho na capital levado por um conhecido, junto com outros três rapazes. Pouco depois da chegada ao ferro-velho de Luca (Rodrigo Santoro), os quatro percebem que caíram em uma cilada e que têm tantas “dívidas” com o patrão, como despesas inflacionadas com o muquifo que dividem e a comida simples que comem, que não vão ter salário. A Mateus, um dilema se impõe: é possível negociar nessas condições, ou qualquer tentativa nesse sentido acaba sendo uma traição de seus amigos e cooptação?
Para Santoro, que gosta de um desafio, foi um papel especialmente difícil por causa das atitudes de seu personagem. Primeiro, teve receio por não ser parecido com a descrição de Luca no roteiro. “Antes de ser um astro de cinema, o Rodrigo é acima de tudo um grande ator”, explicou Moratto sobre sua escolha. Santoro também ficou inseguro quanto à sua origem, muito diferente daquela de Luca. “Eu cresci em uma família de classe média, naturalmente privilegiada por isso. Luca tem uma frase que de certa forma era quase um mantra para mim: ele diz que veio da m…, que cresceu num barraco ao lado do esgoto”, contou o ator. “Já fiz outros personagens de classes sociais diferentes, obviamente, mas desta vez estava fazendo algo muito realista e específico.”
Estudos
Aplicado, depois de estudar em livros e reportagens o tema do filme, foi conversar com pessoas em comunidades e com vítimas do tráfico humano. “Essencialmente, eu queria, como em qualquer trabalho que faço, humanizar o personagem, aprofundá-lo. Não desejava que ele caísse no estereotipo do vilão”, explicou. Ao mesmo tempo, seu objetivo era que o espectador não terminasse torcendo por Luca. “Não tem redenção. Ele sabe o que está fazendo, que são coisas terríveis, mas escolhe esse caminho conscientemente e justifica para si mesmo que é porque veio da miséria.”
Essas coisas terríveis atrapalharam o sono de Santoro, de forma literal e figurada. Ele lembrou uma noite em que chegou em casa depois de um dia difícil e foi recepcionado pela filha Nina, então com 2 anos de idade, com sorrisos e um grito amoroso de “papai!”. Santoro pediu para tomar um banho antes e depois não conseguiu ficar muito com a pequena. “Me questionei muito, me senti culpado”, contou. “Enfim, foi muito intenso. Foi muito dolorido. Mas foi muito importante para meu crescimento humano, como cidadão, como artista.”
Santoro enxerga 7 Prisioneiros como uma grande metáfora. “Essa história que se passa em um ferro-velho, sobre tráfico de pessoas e condições degradantes de trabalho, levanta uma discussão mais abrangente. O filme tenta fazer um retrato de como o abismo social, que é produto de um sistema excludente, pode relativizar conceitos éticos e valores. O espectador fica com a pergunta: quem é culpado e quem é inocente quando a gente está falando de sobrevivência?”
O lado social sempre foi um interesse do cinema de Alexandre Moratto. “Para mim, é sempre uma questão de estar presente, com os olhos abertos, encarando os assuntos e questões que me tocam de alguma forma”, disse o diretor. “Eu não acho que o cinema tem o poder de mudar o mundo, mas acho que o cinema tem o poder de mudar pessoas. Se esse filme toca uma pessoa, cria um novo olhar.”
Levar o filme a Veneza é uma chance de espalhar essa discussão para o mundo. Santoro está honrado de voltar à cidade 20 anos após a exibição de Abril Despedaçado, de Walter Salles.
Passeando com sua mulher, Mel Fronckowiak, pelas ruelas da cidade, percebeu como em cada esquina a cidade respira arte. “Foi muito inspirador e ao mesmo tempo dolorido”, disse. “Ver aqui essa valorização da cultura e da arte e sentir o que está acontecendo no Brasil com a nossa cultura, com o cinema. A cultura é que nos torna únicos em relação ao mundo. Sem a cultura, o País não tem identidade. O que faz o caráter de um povo é sua arte. E também é pela sensibilização por meio das artes que a gente começa a ver o outro.” Ele espera que 7 Prisioneiros possa dar uma pequena contribuição na jornada para que as coisas mudem. “Um dia, a gente ainda vai ser capaz de realizar todo o potencial que o nosso povo e o nosso país têm.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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