Mas em Blonde, que estreia nesta quarta-feira, 28, na Netflix, depois de participar da competição do último Festival de Veneza, o diretor se arrisca em uma das mais conhecidas e trágicas histórias sobre o tema: a de Marilyn Monroe.
“A fama é algo muito interessante”, disse ele em entrevista ao Estadão, em Veneza. “Marilyn Monroe dizia que, quando se é famoso, você sempre está no inconsciente dos outros.” Dominik sabe do que ela estava falando. Ele tem alguns amigos bastante famosos, de Brad Pitt, um dos produtores de Blonde, a Nick Cave. “Eu vejo como as pessoas reagem a eles. E aí você percebe que os outros estão reagindo a algo que carregam dentro de si. O famoso te coloca em confronto com seus próprios desejos, medos, feridas.”
Ao mesmo tempo, continuou o cineasta, você imagina que ser famoso significa ter uma vida mais fácil. “Ser desejado o tempo todo parece ser muito bom. Mas parece que muitos que foram desejados o tempo inteiro acabaram destruídos de alguma maneira.”
Como Marilyn Monroe, morta com apenas 36 anos por uma overdose de barbitúricos. Blonde não é exatamente uma cinebiografia, já que se baseia em uma obra de ficção de Joyce Carol Oates. Não há dúvidas de que, no filme, Bobby Cannavale interpreta o segundo marido da atriz, o ex-jogador de beisebol Joe DiMaggio, mas ele é identificado apenas como “O ex-atleta”. O mesmo com o terceiro marido, Arthur Miller (Adrien Brody), aqui somente “O dramaturgo”. E John Fitzgerald Kennedy (Caspar Phillipson) é “O presidente”.
INSTABILIDADE MENTAL
Dominik também teve de fazer recortes, já que o romance tem mais de 700 páginas. “Eu queria detalhar o trauma da infância e daí mostrar a vida adulta sob o ponto de vista desse trauma”, contou o cineasta.
No filme, Norma Jeane, interpretada por Lily Fisher quando criança e Ana de Armas na fase adulta, teve uma infância que foi marcada pela instabilidade mental da mãe, Gladys (Julianne Nicholson). Nunca soube quem era seu pai, o que a marcou durante toda a vida – Blonde destaca como ela chamava seus maridos de “papai”, por exemplo.
Quando a mãe foi internada, ela acabou em casas temporárias e depois em um orfanato. Sofreu abuso sexual, físico, foi vista como mero objeto, sem nenhuma agência sobre seu próprio corpo.
O longa faz questão de mostrar em detalhes cada sofrimento. “O filme fala de como ela se sente. O público precisa sentir o que ela sente”, explicou Ana de Armas.
PÚBLICO PENSANTE
“Foi uma experiência incrível para mim, uma oportunidade rara de me arriscar sem medo”, disse Ana. Essa maneira explícita de falar das dores gerou críticas desde a estreia mundial do filme em Veneza. Dominik se defendeu. “Se você reconhece o trauma, então não o está explorando”, disse ele.
Seu desejo é fazer o público pensar em sua própria responsabilidade no que aconteceu com Marilyn Monroe. Por isso, parte de imagens conhecidas da atriz, coloridas e em preto-e-branco. “É como se ela estivesse presa nelas, tentando escapar”, disse.
Para o espectador, há algo de déjà vu, de sonho, de algo errado. Porque ele está ali, testemunhando o vestido de Marilyn subindo, mostrando a calcinha, com centenas de homens à sua volta, por exemplo. Quando isso é mostrado, “há um dedo apontado para o espectador”, disse Dominik.
De lá para cá, não mudou tanta coisa. “Veja a Britney Spears”, disse ele. O caça-clique é parte da nossa cultura. “Nós podemos pensar que é horrível, como pode a mídia explorar isso. Mas na verdade somos nós que clicamos ali. Nós temos responsabilidade.”
Para Ana de Armas, a celebridade, hoje, parece algo diferente. “Há uma fome de fama, sem que se pense nas consequências. Marilyn Monroe não buscou isso”, disse a atriz.
Dominik discordou. Para ele, Norma Jean gerou interesse em si mesma, ficando amiga de fotógrafos e virando uma modelo com seguidores, que a indústria não pôde ignorar. “Em dado momento, os estúdios tomaram conta, e Norma acabou engolida. Ela só queria ser respeitada, mas nunca foi, pelo menos não em vida.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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