A dupla de cineastas contou com um personagem inquieto, uma usina de ideias que adora uma boa conversa. Além do mais, o próprio Siron flertou (e namorou) muito com o cinema, tendo em casa um bom acervo de filmagens domésticas. A tudo isso, os dois diretores somaram um trabalho paciente, que se estendeu ao longo de 20 anos e se ocupou das várias fases do trabalho do artista.
O projeto se iniciou no ano 2000, quando Siron morava em Londres e pintava inspirado no bairro do Soho. Os diretores filmaram obsessivamente o artista em ação. Mas depois perceberam que o material era apenas ponto de partida para algo mais amplo. E esse algo mais tomou forma quando Siron mostrou a eles seu material doméstico, um amplo acervo em VHS e Super-8. Tudo isso foi complementado por filmagens de Siron em ação tanto em seu ateliê quanto em sua casa.
Vale, para o documentário, a imersão na obra e no pensamento do artista, como ele vê a si mesmo e seu trabalho. Por exemplo, Siron diz que se lembra mais do que pintou do que das coisas que viveu. O que é perfeitamente justo, considerando que cada trabalho é a reelaboração artística do vivido.
O que não afasta o artista da realidade; pelo contrário, torna mais profundo seu mergulho no real. Siron não se afasta da realidade que o cerca, com suas contradições e injustiças. Seus trabalhos com temática social são amplamente conhecidos, como os 499 totens indígenas erguidos no cerrado. Todos foram destruídos, com exceção de um, feito em concreto armado. Ou a obra sobre o acidente com o material radioativo Césio 137 acontecido em Goiânia, em 1987.
Siron foi às vezes vítima do espírito de repetição do mercado, quando lhe pediam apenas Madonas, a partir do sucesso de um primeiro quadro com esse tema. Ele pintava e vendia. Até para contradizer a profecia do pai, para quem ele morreria de fome se abraçasse a carreira artística. Mas, ao mesmo tempo, Siron não conseguia refrear o espírito crítico e passou a pintar as Madonas… com os dentes cariados. Ou com expressões faciais que evocam tudo, menos a santidade.
O artista é um inventor, um subversivo de si mesmo. Sobrevive apenas quando se contradiz e deixa para trás territórios conquistados. “Quando você domina uma técnica, é hora de afastar-se dela”, afirma Siron. Picasso dizia que, quando pintasse perfeitamente com a mão direita, precisaria mudar para a esquerda.
Essa inquietação é responsável pela obra diversificada, pelo estilo múltiplo, pelo sentido universal, mas ao mesmo tempo atento às suas raízes. Num depoimento, o poeta, mas também crítico de arte, Ferreira Gullar diz que Siron não tinha a aspiração comum a artistas brasileiros de sair do País assim que pudesse. “Ele permanece em Goiás”, espantava-se o poeta maranhense. Buscar a temática – e mesmo o estilo – naquilo que é próximo em nada significa provincianismo. Pelo contrário, ilustra o pensamento famoso de Tolstoi – para ser universal, o artista precisa falar de sua aldeia.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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