Flip termina com depoimentos emocionantes

Foram 19 encontros em formato virtual, todos inspirados em plantas e florestas – a 19ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, no entanto, revelou-se um enorme palanque para discussões mais amplas, envolvendo raça, cidadania, gênero, ancestralidade e política. Com uma maior duração (começou em 27 de novembro e terminou neste domingo, 5, o evento manteve sua tradição de oferecer encontros memoráveis.

Como o do sábado, 4, que reuniu a brasileira Conceição Evaristo e a americana Alice Walker, sob a mediação de Djamila Ribeiro. Unidas pela larga e tortuosa experiência de vida, as duas escritoras logo estabeleceram uma afetuosa conexão, como que unidas pela ancestralidade. Juntas, falaram sobre a forma com que se manifestam como mulheres negras. “Acredito que nosso principal trabalho é o de lembrar os motivos que explicam nossa existência nesse mundo a fim de florescermos com eles”, disse Alice, ressaltando que não deixou de ser atacada mesmo depois que seu principal livro, A Cor Púrpura, venceu o prêmio Pulitzer de ficção, o primeiro para uma autora negra.

Conceição logo emendou com uma bela frase: “A fala que prefacia os nossos textos é a de nossas ancestrais. Falar sem elas seria falar no vazio, são nossas vozes matrizes que, na maioria das vezes, se realizaram no silêncio. A gente pega esse silêncio e o transforma em gritos”. Lembrou ainda que aquele seu primeiro encontro com Alice se assemelhava à colheita de um plantio que levou tempo mas rendeu frutos.

Aborto

Questionadas ainda sobre a liberdade em relação aos próprios corpos, Alice emocionou ao lembrar que fez um aborto na adolescência vivida na pobreza. “Você não consegue cuidar de nada nem se desenvolver a nada se não for primeiro dona de si mesma. Se tiver toneladas de dinheiro, tempo, talento, 12 filhos e alguém para cuidar deles, ainda sim vai ser demais. Essa questão é fundamental. Não vamos progredir se tivermos mais filhos do que pudermos sustentar”, disse ela, indignando-se com o fato de o Texas proibir o aborto.

O encontro seguinte, no mesmo dia, foi mais lírico, unindo o escritor chileno Alejandro Zambra e a poeta mineira Ana Martins Marques, sob mediação de Rita Palmeira. Juntos, traçaram um paralelo entre as artes de cultivo e de escrita. Ana Maria vê nos jardins uma “tentativa de aproximação, ao mesmo tempo uma certa consciência de fratura”. Já Zambra comparou o título de uma de suas principais obras, Bonsai, com a sensação de repressão ao escrevê-la. “Bonsai são árvores pequenas, reprimidas, o que as torna muito comoventes”, disse.

Ao longo da semana, a Flip foi marcada por encontros instigantes, com pronunciamentos importantes, especialmente em relação à importância do meio ambiente e sua constante degradação. “Nós, como autores, estamos dando um testemunho do nosso tempo e espaço. Viver seja no Brasil ou em Moçambique é viver num espaço onde a natureza faz parte da nossa vida de uma maneira muito intensa”, afirmou o escritor Itamar Vieira Junior.

Já a canadense Margaret Atwood aposta em utopias para criar novos modelos de vivência que previnam mudanças climáticas. Tarefa a ser assumida pelos cidadãos, “que têm que avisar aos políticos que, se não agirem pelo meio ambiente, não vão ser eleitos”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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