Até certo ponto, incêndios florestais são parte do ciclo anual da Sibéria. Entretanto, cientistas russos notam o efeito direto do aquecimento global nos eventos registrados neste ano. Equipes especializadas tentam conter focos das chamas pelo menos desde maio, mas autoridades russas confirmaram, nessa segunda-feira, 9, que os incêndios estão se agravando.
Dois dias antes, no sábado, 7, a Nasa informou que a fumaça dos incêndios em Yakutia (uma região da Sibéria) “percorreu mais de 3 mil km, chegando até o Polo Norte, o que parece ser o primeiro caso na história documentada”. Imagens de satélite da agência europeia de monitoramento atmosférico mostraram que a nuvem de fumaça cobriu mais de 5.170.000 Km² .
Enquanto a Rússia enfrenta uma de suas piores temporadas de incêndios, os ambientalistas dizem que há pouca urgência em um evento que as autoridades minimizam todos os anos.
“Durante anos, autoridades e formadores de opinião disseram que incêndios são normais, que a taiga está sempre acesa e não há necessidade de se colocar isso em questão. As pessoas estão acostumadas”, disse Alexei Yaroshenko, especialista em silvicultura do Greenpeace no país. A taiga é um cinturão de floresta de coníferas ao redor do planeta entre 50 e 60 graus ao norte do equador.
Para a Rússia, há dois tipos de incêndios na Sibéria: o tipo que as autoridades estão combatendo e os outros que estão permitindo que queimem. Isso porque a região é tão vasta que grandes incêndios podem queimar sem ameaçar quaisquer grandes assentamentos, sistemas de transporte ou infraestrutura – política questionada por ambientalistas, principalmente um decreto de 2015, que permite às autoridades locais ignorar os incêndios, se o custo de apagá-los exceder os danos estimados.
À medida que a Rússia enfrenta cada vez mais condições climáticas extremas associadas às mudanças climáticas, a rápida propagação dos incêndios em Yakutia – uma vasta região florestal da Sibéria com o tamanho similar ao da Argentina – veio com seca, um dos climas mais quentes já registrados e ventos fortes.
Os incêndios na Sibéria são maiores do que os incêndios na Grécia, Turquia, Itália, Estados Unidos e Canadá juntos, com analistas alertando que este ano pode superar o pior ano de incêndios da Rússia, 2012, de acordo com Yaroshenko.
Os incêndios florestais registrados na Sibéria no passado mal causaram impacto na mídia russa. Isso está começando a mudar lentamente, segundo o especialista. Ainda assim, muitos russos não estão cientes do risco de realizar queimadas em pequenos lotes de terra, convencidos de que grandes incêndios são causados por criminosos poderosos ou funcionários corruptos na tentativa de encobrir outros crimes – teorias da conspiração para as quais há poucas evidências.
Destruição pelo fogo
Mais de 8.600 bombeiros, trabalhadores agrícolas, soldados e outros trabalhadores de emergência estão lutando contra incêndios florestais que queimaram mais de 161.350 Km² desde o início do ano, de acordo com o Greenpeace. Essa é uma área quase duas vezes maior que a Áustria – e maior que o Estado do Ceará.
Autoridades locais dizem que estão desesperadas por mais voluntários e mais dinheiro para combater os incêndios, ao mesmo tempo em que deixam 69 incêndios queimarem sem impedimentos porque são muito difíceis de combater ou não ameaçam casas ou infraestrutura econômica. Esses incêndios queimaram quase 20.720 Km² – quase 10 vezes mais do que a área atingida pelo devastador incêndio em Dixie na Califórnia.
Mais de 100 incêndios nos Estados Unidos neste ano queimaram 2.3250 Km², de acordo com o National Interagency Fire Center. No Canadá, mais de 33.670 Km² foram queimadas até agora este ano em British Columbia e Yukon, Manitoba e Ontário, de acordo com o Canadian Wildland Fire Information System.
Os incêndios na Turquia queimaram 1.763Km² neste ano, de acordo com o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais. Na Grécia, o fogo atingiu 1.098 Km², e na Itália, 1.043 Km² queimados, disse a organização.
Cerca de metade das florestas da Rússia são deixadas desprotegidas pelas autoridades regionais, principalmente por causa do financiamento inadequado para o combate a incêndios, segundo Yaroshenko.
“Essas florestas têm um papel muito significativo na regulação do meio ambiente”, disse ele. “A maior parte das florestas em áreas desprotegidas fica no extremo norte. Elas crescem muito lentamente, são muito sensíveis e, se queimarem, o impacto sobre o meio ambiente é enorme.”
Todos os anos, centenas de incêndios queimam nas florestas e planícies da Rússia. O Greenpeace baseia seus dados em estatísticas dos bombeiros russos que monitoram os incêndios.
Mas o Ministério de Recursos Naturais e Ecologia da Rússia registra apenas incêndios em reservas florestais que ameaçam áreas povoadas, excluindo incêndios em estepes abertas ou terras agrícolas. O ministério estima que a área queimada em incêndios florestais este ano em pouco mais de 77.700 Km² – o que é menos da metade do número do Greenpeace, mas representa uma área maior do que os Estados do Rio de Janeiro e de Alagoas e o Distrito Federal somados.
Combate às chamas – e críticas ao planejamento
O presidente russo, Vladimir Putin, determinou na terça-feira, 10, que fosse redobrado o esforço para controlar os incêndios em Yakutia, ordenando ao Ministério de Situações de Emergência que aumentasse o efetivo encarregado de combater os incêndios na região do norte da Sibéria.
Antes, na semana passada, o ministro de Recursos Naturais e Ecologia, Alexander Kozlov, pediu um aumento de mais de 100% no orçamento de combate a incêndios – que saltaria de US$ 81 milhões (R$ 421,3 milhões) para quase US$ 190 milhões (R$ 988 milhões).
Apesar das tentativas de resposta que parecem surgir, o governo russo vem sendo alvo de críticas por ter cedido aviões de combate a incêndios para a Grécia e para a Turquia. Dezoito aviões estão combatendo incêndios na Rússia, mas alguns se opõem ao envio de equipamentos de combate a incêndios para outros países, dada a escala da crise na Sibéria.
Além disso, especialistas criticam a falta de confiabilidade dos dados divulgados pelo governo. Segundo Yaroshenko, autoridades regionais tendem a maquiar as estatísticas para evitar problemas com seus superiores em Moscou.
“Os funcionários simplesmente mentem sobre a escala disso, ou seja, eles deturpam os dados intencionalmente, porque cada funcionário é responsável por garantir que haja uma bela imagem”, disse ele. “Em geral, não é mais possível esconder o fogo, pois todos podem ver o que está acontecendo com as imagens de satélite, mas o hábito existe, e às vezes ainda tentam esconder esses incêndios.”
O chefe de silvicultura da região, Sergei Sivtsev, disse ao jornal Kommersant que o clima em junho no centro de Yakutia foi o mais quente desde 1888. Mas as autoridades e a mídia estatal minimizam o problema – com relatórios diários sobre quantos incêndios foram apagados ou contidos, e não quanto foi queimado. Não há foco na perda de florestas antigas e vulneráveis e nenhuma estimativa de vítimas de vida selvagem.
Mudanças climáticas e desinformação
Aisen Nikolaev, chefe da região de Yakutia, disse na semana passada que as mudanças climáticas foram a principal causa dos incêndios. “Estamos vivendo o verão mais quente e seco da história das medições meteorológicas desde o final do século 19”, disse ele à RIA Novosti.
Vladimir Leonov, do Serviço de Proteção Florestal Aérea da região, culpou os relâmpagos em tempestades de seca que provocaram muitos dos incêndios.
Muitas pessoas acreditam nas teorias de conspiração difundidas e rumores de que funcionários corruptos e executivos de negócios atearam fogo para encobrir a extração ilegal de madeira. Yaroshenko disse que esses casos são extremamente raros. Ele disse que sabia de apenas dois incidentes.
Mas a desinformação significava que os pequenos agricultores ou aldeões não estavam cientes do risco de queimar lotes de terra para limpar o mato. Muitos deles pensaram que queimar grama seca ajudava a crescer a grama nova.
“Quando as pessoas têm certeza de que a floresta foi queimada por intenções criminosas, elas não pensam em ter cautela. E agora as pessoas comuns estão vindo para as florestas e deixando incêndios não extintos lá, e eles não prestam mais atenção especial a esses incêndios.”
No ano passado, incêndios na Rússia queimaram 4,7 bilhões de árvores, sete vezes mais do que o plantado, de acordo com um estudo do Greenpeace usando imagens de satélite. Em um mês, os incêndios na Rússia emitiram carbono igual ao total de emissões de CO2 da Suécia no ano.
Os verões da Rússia devem ser mais secos e quentes, de acordo com o relatório do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas divulgado segunda-feira. Cerca de um terço do permafrost da Sibéria derreterá até o final do século, mesmo que as emissões globais de carbono caiam drasticamente, disse o relatório. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)
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