Os dados oficiais do governo mostram que, entre 1º de janeiro e 3 de junho, o governo colocou à disposição, em valores corrigidos pela inflação, um total de R$ 41,048 milhões para a Fundação Nacional do Índio (Funai) aplicar em ações de “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus”. No primeiro semestre, porém, somente R$ 383,5 mil desse montante foram empenhados, ou seja, reservados para bancar contratos firmados nesta área. Isso equivale a menos de 1% do total. Outros R$ 753,5 mil chegaram a ser usados, mas para pagar contas feitas no ano anterior, os chamados “restos a pagar”.
Esse dinheiro é “carimbado”, ou seja, destinado especificamente para bancar as medidas contra a proliferação do coronavírus entres os povos originários, uma proteção que, por missão, compete à Funai executar. A lentidão dessas ações fica mais evidente quando comparada ao ritmo das execuções financeiras ocorridas no primeiro semestre do ano passado.
Entre os meses de janeiro e junho de 2020, quando a Funai contava com R$ 19,7 milhões – também em valores corrigidos – para bancar essas medidas, já tinha empenhado R$ 13,7 milhões a pagamentos de serviços e itens de saúde, 70% do total disponível.
As informações obtidas pela reportagem constam do sistema Siga Brasil, do governo federal, e foram compiladas pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização especializada em análise das contas públicas.
As ações de medidas de proteção aos povos indígenas podem ter freado no primeiro semestre, mas a doença segue sem dar trégua. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), uma das principais organizações indígenas do País, tem monitorado o avanço da doença entre os povos originários em aldeias e áreas urbanas, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA).
Os dados, que incluem informações da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, mostram que, até ontem, foram confirmadas 1.136 mortes de indígenas pela covid. É mais do que o dobro do que havia sido registrado até julho de 2020, quando 522 óbitos tinham sido registrados. O número de contaminados chega hoje a 57.086 pessoas.
“Toda essa lentidão na execução financeira só demonstra mais uma faceta de como o governo lida com os povos indígenas. Isso é resultado desse esgarçamento a que assistimos na Funai, que ainda tem de lidar com a escassez de pessoal e a incapacidade de executar seu trabalho de forma minimamente satisfatória”, diz Leila Saraiva, assessora política do Inesc. “Há um apagão institucional, com perseguição ideológica dentro da própria fundação e engessamento das ações do órgão.”
A proliferação da covid-19 entre os povos indígenas e a letargia do governo na execução orçamentária estarão na pauta da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, após o fim do recesso parlamentar. “Vamos investigar, para saber qual a razão desse gasto menor. Sabemos que houve vacinação no Estado do Amazonas, mas temos que entender o que está ocorrendo em todo o País”, disse ao Estadão o presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM).
Questionada sobre sua execução orçamentária, a Funai declarou, por meio de nota, que o valor de seu orçamento para o “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus” – aprovado por meio da Medida Provisória em 8 de junho de 2021 – está “destinado a ações que estão em andamento” no órgão.
“Cumpre esclarecer que, do montante aprovado, foram destinados R$ 15,8 milhões à contratação de força de trabalho para atuar em ações de proteção territorial. A Funai informa ainda que tem empenhado todos os esforços para que a contratação seja concluída o mais rápido possível, o que resultará na execução dos recursos”, declarou a fundação.
A Funai afirmou ainda que “houve aprovação de crédito extraordinário no valor de R$ 25,1 milhões para ser utilizado na entrega de cestas básicas adquiridas pelo Ministério da Cidadania, sendo que a fundação depende das aquisições das cestas pelo ministério para executar os recursos com a logística de entrega das cestas”.
De acordo com seu balanço, a Funai afirmou que já destinou aproximadamente R$ 48,5 milhões para ações de prevenção à covid-19, “com destaque para o suporte a barreiras sanitárias e entrega de mais de 800 mil cestas básicas a indígenas de todo o País desde o início pandemia”.
Fake news prejudicam vacinação
A indígena Nice Gonçalves conta que, em sua aldeia, a Tembé, lno Pará, informações falsas levam os mais idosos a recusarem as vacinas. “Tem grupos religiosos que disseminam a mentira de que a vacina seria um chip, ou mesmo que ao tomá-la a pessoa se transformaria em um jacaré. Como somos ligados à natureza e aos animais, essas informações acabam amedrontando”, explica. A indígena Putira Sacuena, da etnia Baré, no Amazonas, lamenta a perda de entes queridos. “Se foram bibliotecas e museus, juntos aos nossos parentes que faleceram, principalmente, os nossos mais velhos”, diz. Para Putira, um dos maiores desafios dentro das aldeias foi o uso de máscara.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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