A realidade da adolescente paulistana reflete o abismo digital entre ricos e pobres no País, uma realidade que serve de espelho para as diferenças socioeconômicas entre a baixa e a alta renda. Um estudo realizado pela consultoria PwC, em parceria com o Instituto Locomotiva, mostra que, se as classes mais pobres tivessem o mesmo patamar de acesso à web disponível para as mais altas, sua renda poderia dar um salto de 15,3%.
Preencher esse abismo social colocaria R$ 75,4 bilhões a mais para circular na economia – justamente nas mãos de quem mais precisa.
Como ocorre em outros segmentos, o Brasil está longe de resolver a desigualdade no campo digital. Segundo o levantamento da PwC e do Locomotiva, que ouviu 2,3 mil brasileiros acima dos 18 anos, apenas 29% da população acima de 16 anos, ou 49,4 milhões de pessoas, está plenamente conectada. Isso significa ter acesso à internet em todos os momentos, sem problemas graves de instabilidade.
Na outra ponta, há 33,9 milhões de brasileiros que nem têm acesso à internet – o que representa uma fatia de 20% da população. No meio do caminho, o estudo classifica 41,8 milhões de pessoas (25%) como “subconectadas”, que possuem algum tipo de dispositivo e acessam a internet de forma intermitente, e 44,8 milhões (26%) de “parcialmente conectadas”, que se conectam durante a maior parte do tempo em um aparelho de boa qualidade ou até em mais de um dispositivo.
O estudo mostra que a falta de conexão está ligada à renda. Enquanto os desconectados têm rendimento médio de R$ 1.413, os plenamente conectados ganham R$ 3.530. Os subconectados ganham, em média, R$ 1.933, enquanto os parcialmente conectados recebem R$ 2.229 mensais.
“A disparidade deve ser ainda maior, pois não é possível falar do potencial da renda que essas pessoas desconectadas poderiam ter se tivessem acesso à internet para vender alguma coisa, por exemplo”, afirma Renato Meirelles, presidente e fundador do Instituto Locomotiva. “O analfabeto digital de hoje é o analfabeto funcional de ontem. Na prática, a digitalização é o novo português e estaremos excluindo diversas pessoas se nada for feito.”
Equipamentos
Além do problema do acesso a dados e banda larga, há também a questão dos aparelhos. Isso porque os dois grupos que estão conectados durante parte do tempo nem sempre conseguem extrair todos os benefícios do mundo digital. A pesquisa mais recente da TIC Domicílios, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, apontou que as classes mais baixas estão ficando para trás por falta de equipamentos, como celulares mais robustos e computadores.
Apenas 50% das residências da classe C e 13% das casas da classes D e E têm computador. Na pandemia, com o ensino e o trabalho a distância como única opção, isso foi um problema. “Nem se compara a qualidade do aprendizado quando você tem um computador para fazer pesquisas enquanto assiste à aula”, diz Fábio Storino, coordenador da TIC Domicílios.
Também morador de Paraisópolis, Lucas da Cruz Ramos, de 18 anos, havia se formado no ensino médio antes da pandemia – logo, a falta de um computador não afetou seu desempenho escolar. No entanto, ele está desempregado e sente dificuldade para conseguir trabalho pela falta de experiência. Com o objetivo de ser designer, ele gostaria de fazer cursos para se aprofundar na área, mas não tem computador.
O acesso à internet de Lucas é totalmente pelo celular. “Mas tem dias que o sinal funciona e outros em que não”, diz ele, que, por causa desse problema, não se imagina trabalhando a distância quando conseguir um emprego.
Home office para quem?
Para que o home office seja uma realidade para os mais pobres, as empresas precisam garantir a infraestrutura mínima, diz Marco Castro, presidente da PwC. “Esse é um problema para se estar de olho. Será que, com essa possibilidade de trabalho híbrido, não começamos a excluir uma série de pessoas por falta de acesso à internet?”, questiona.
De acordo com uma pesquisa recente sobre home office, realizada pela Faculdade de Economia e Administração da USP com a Fundação Instituto de Administração (FIA), menos de 30% das empresas ajudam nos pagamentos de luz e internet para os seus funcionários. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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