Para delegados ouvidos pelo Estadão, a série de intervenções não encontra precedentes, e levou à geladeira, ou “corredor” – termo usado na PF para quem está em estado de fritura pela direção – experientes quadros, com histórico de participação em importantes investigações. As mudanças continuam mesmo em meio a uma investigação que se arrasta há mais de um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre suspeita de interferência política do presidente Jair Bolsonaro na corporação.
“Fiz algum comentário que contrariou. Qual foi, quando, para quem, em que contexto e ambiente, não sei”, disse Dominique, em mensagem encaminhada aos colegas. “Há uma forte sensação de revolta e de estar sendo injustiçada”, escreveu. A delegada atuava há 16 meses na Interpol, cargo de indicação da direção.
Internamente, colegas afirmam que ela era crítica à gestão do delegado-geral, Paulo Maiurino, e que assinou manifestação pública a favor do delegado Felipe Barros Leal, afastado do inquérito que investiga suposta interferência política de Bolsonaro na PF. Pelas mãos da delegada passou também o pedido de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Em nota, a cúpula da PF afirma que o episódio não teve relação com a saída da delegada, que teria atuado de maneira protocolar ao encaminhar o pedido, sem decidir nada a respeito.
Dominique vai reforçar a Superintendência da PF no Distrito Federal, para onde já foram deslocados outros sete delegados desde que Maiurino assumiu o comando da corporação. Hoje, há 45 delegados naquela unidade.
O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Félix de Paiva, afirmou que a entidade acompanha o caso. “Com as informações disponíveis até o momento, a associação não concorda que colegas sejam movimentados sem fundamentação clara e sem critérios.” Além deste, outros casos recentes que chamam atenção dos delegados.
DRCI
A delegada Silvia Amelia da Fonseca, que deu andamento ao processo de extradição de Allan dos Santos, foi exonerada da diretoria do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). Dias antes da extradição, o secretário Nacional de Justiça, Vicente Santini – homem de confiança da família Bolsonaro, que já ocupou diversos cargos no governo – havia pedido para ter acesso a processos de extradição ativa, aqueles em que o Brasil pede a outros países a entrega de alvos da Justiça.
Outro caso recente é de Thiago Delabarry, que chefiou a área de combate a corrupção e lavagem de dinheiro na cúpula da PF e deixou o cargo após Maiurino assumir a Diretoria-Geral. Em julho deste ano, a Superintendência da PF no Rio Grande do Sul indicou Delabarry para o comando da delegacia de combate a corrupção, em Porto Alegre. Em setembro, seu nome foi vetado por Maiurino.
O veto é atribuído ao fato de que, sob sua gestão, o delegado Bernardo Guidale conduziu o acordo de delação premiada do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, que citou o ministro do STF Dias Toffoli e o presidente do STJ, Humberto Martins. Maiurino foi segurança de Toffoli e trabalhava para a Presidência do STJ antes de ser nomeado. Ele teria se surpreendido com o pedido de investigação do ministro do Supremo. Toffoli se aproximou de Bolsonaro ao longo do governo.
Bernardo Guidali, que conduziu a delação de Cabral, também perdeu cargo no Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq), responsável por investigar autoridades com foro privilegiado.
‘REMANEJAMENTO’
Em nota, a PF afirmou que “as movimentações de servidores dentro da instituição é regular e faz parte dos mecanismos de gestão administrativa, não havendo outras razões que não a de ordem técnica para melhor atender as finalidades institucionais”. Diz ainda que “eventuais substituições de cargos de chefia um processo natural que não causa qualquer tipo de prejuízo aos serviços prestados”. O Estadão tentou contato com Maiurino, mas ele não se manifestou. O Palácio do Planalto não havia se manifestado até a publicação desta matéria.
INVESTIGAÇÃO
Episódios de suposta interferência são também investigados no inquérito aberto pelo STF a partir das declarações do ex-ministro da Justiça e agora pré-candidato à Presidência, Sérgio Moro (Podemos), quando deixou o governo Bolsonaro no ano passado. Moro afirmou que o presidente queria trocar a direção do órgão e na superintendência do Rio para proteger parentes e aliados.
Em uma reunião ministerial cujas imagens foram anexadas ao inquérito, Bolsonaro aparece dizendo: “Vou interferir, e ponto final”. O presidente se defende dizendo que se referia à segurança pessoal de sua família no Rio. No âmbito deste inquérito, Bolsonaro foi questionado, por exemplo, a respeito da troca do comando da PF no Rio, que era chefiada pelo delegado Ricardo Saadi. Em 2019, o presidente afirmou abertamente que iria trocar Saadi. Ele acabou substituído por Carlos Henrique de Oliveira, que disse em depoimento à PF ter sido apresentado pelo presidente por Alexandre Ramagem, delegado e chefe da Abin, que se tornou homem de confiança da família após fazer a segurança de Bolsonaro na campanha de 2019 – muitos dos agentes da época foram levados por Ramagem à Abin. À época, havia um inquérito eleitoral contra Flávio Bolsonaro por suspeita de ocultação de bens.
O delegado Victor Cesar Santos, do Rio, também substituiu recentemente o superintendente da Polícia Federal em Brasília, onde tramitam inquéritos como aquele que levou às buscas contra Ricardo Salles, e investigações sobre suposto tráfico de influência do filho 04 do presidente, Jair Renan Bolsonaro – que recebeu um carro elétrico de um grupo do Espírito Santo após viabilizar aos empresários uma agenda com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.
A própria saída de Maurício Valeixo da direção da PF está entre os objetos de investigação no STF. Ele chegou a ser indicado como adido em Lisboa, mas o governo segurou sua nomeação. Permaneceu no “corredor”, e deve se mudar para os Estados Unidos para cursar mestrado. Igor Romário, que também conduziu a Lava Jato e tinha a confiança de Moro, e esteve na cúpula da PF até a saída de Valeixo, teve sua nomeação como adido no Canadá segurada.
DEPOIMENTO
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), recusou nesta quinta-feira o pedido da defesa do ex-ministro Sérgio Moro (Podemos) para invalidar o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura se houve interferência política do chefe do Executivo na Polícia Federal. Moraes argumentou que o Ministério Público Federal (MPF) não viu irregularidades no procedimento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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