O aposentado José Militão, de 73 anos, estava em casa quando, por volta de 15h30 do dia 2 de setembro, recebeu um telefonema. Do outro lado da linha, uma mulher que se apresentava como funcionária do setor antifraude de seu banco disse que, devido a uma suposta clonagem de seu cartão, R$ 1.250 teriam sido utilizados em uma compra em Paudalho, interior de Pernambuco. Como mora no Recife, que é relativamente próximo, ele entrou em desespero.
Para solucionar o problema, a orientação dada pela mulher foi que José entrasse em contato com a central de atendimento do banco, pelo número que fica no verso do cartão, e solicitasse o bloqueio da conta. Quando ia telefonar, o aposentado recebeu uma nova ligação da mesma pessoa dizendo que mais R$ 500 haviam sido sacados e que, como precisavam agir rápido, iria transferi-lo à central para encurtar o procedimento.
Falando com uma nova suposta funcionária, o aposentado atendeu a pedidos para digitar a senha do banco no teclado e aceitou entregar a um motoboy que foi até sua casa o cartão bancário dentro um envelope que se certificou ter “fechado com bastante cola”. A justificativa é que o cartão seria levado para perícia em uma delegacia da região em que mora. Pouco mais tarde, José descobriu que seu cartão não havia sido clonado e que teve R$ 22,5 mil retirados de sua conta, restando apenas R$ 43 do que economizou de sua aposentadoria rural. Tornou-se mais uma vítima do golpe do motoboy.
Dados reunidos pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) indicam que nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, houve aumento de 340% no volume de ocorrências do “golpe da falsa central telefônica e do falso funcionário”. A comparação se dá em relação aos mesmos meses do ano passado, quando o isolamento social não havia sido adotado. Ainda segundo a Febraban, cerca de 70% das fraudes mapeadas neste ano estão vinculadas à engenharia social.
A Polícia Civil da Bahia fez um alerta no final de julho apontando que, embora os primeiros casos do golpe do motoboy “datem de mais de três anos atrás, tem-se percebido uma maior incidência desde o início da pandemia de covid-19, com o aumento do trabalho em home office”. Estimativa feita pelo coordenador do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Marcelo Barbosa, aponta um aumento, durante a pandemia, “da ordem de 20% a 30%” nos registros de golpes que envolvem dados do consumidor no Estado. A instituição emitiu um alerta sobre o golpe do motoboy em agosto. “As vítimas, na maioria das vezes, são os idosos, que são mais vulneráveis a esse tipo de golpe”, explica Barbosa.
Quando caiu no golpe do motoboy, José Militão conta que estava ao lado de seus dois filhos, que procuram auxiliá-lo. Ainda assim, segundo o aposentado, o desespero com a possibilidade de clonagem do cartão e o aparente profissionalismo dos supostos atendentes com quem falou, que inclusive colocavam efeitos sonoros e músicas de espera, fizeram com que eles só fossem cogitar que poderiam ter sido vítimas de um golpe no início da noite. Então, ligaram para a central de atendimento do banco, mas já era tarde. O aposentado registrou boletim de ocorrência online, abriu processo administrativo no banco e ainda espera retorno para tentar recuperar o dinheiro.
José conta que a sofisticação do golpe foi tamanha que, quando o motoboy saiu de sua casa, as supostas atendentes prestaram uma espécie de atendimento psicológico a ele por telefone, para os criminosos ganharem tempo. Recuperado da covid-19 após ter ficado 40 dias no hospital, uma das histórias compartilhadas pelo aposentado durante a ligação foi a da morte de sua esposa pela doença, em março deste ano. Ele ainda se recupera do luto e de algumas sequelas, como falta de ar, para voltar a trabalhar. Na tentativa de auxiliar na situação financeira, assim como fez enquanto os pais estavam no hospital, um dos filhos de José criou uma “vaquinha” online e faz postagens nas redes sociais para divulgá-la.
Caso em Santa Catarina tem roteiro parecido
Uma transferência de R$ 1.250, uma tentativa de saque de R$ 500 logo em seguida e um pagamento de R$ 80 em um posto de gasolina. Esses foram os valores que a aposentada Neresi de Oliveira Paulo, de 65 anos, ouviu terem sido movimentados da conta bancária de seu marido no início da tarde do dia 11 de agosto. Moradora de Blumenau, Santa Catarina, ela entrou em transe ao ouvir a notícia de que o cartão teria sido clonado e passou a seguir as orientações da suposta atendente para bloqueá-lo.
Neresi conta que não desconfiou de nada, até pela quantidade de dados pessoais, dela e de seu marido, que eram informados do outro lado da linha. Após digitar suas senhas no telefone, um motoboy foi até sua casa e buscou dois cartões bancários, entregues em um envelope lacrado. Pouco mais tarde, a aposentada conta que descobriu que havia caído em um golpe: R$ 5 mil foram transferidos de uma conta e cerca de R$ 3,4 mil de outra.
“Foi um choque muito grande ao saber que eu tinha caído”, relata a aposentada. “Não sei como fui cair nesse golpe, porque nunca passei meus dados pessoais. Aquele dia parece que eu estava hipnotizada, fui calmamente passando os dados, número dos cartões, senha e tudo”. Neresi registrou boletim de ocorrência online e abriu procedimento investigativo no banco, mas ainda não teve retorno sobre possíveis ressarcimentos.
Segundo a Febraban, cada instituição financeira tem sua própria política de análise e devolução, que é baseada em investigações “aprofundadas e individuais”. Segundo a federação, os bancos consideram as evidências apresentadas pelos clientes e as informações das transações realizadas. Quando não há ressarcimento, as vítimas podem ainda acionar o Procon que atende a região onde o crime foi cometido e até levar o caso à Justiça.
Coordenador do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Marcelo Barbosa explica que os desfechos dos casos de golpe do motoboy costumam ser distintos. Ainda assim, ele considera que há uma jurisprudência inclinada para o ressarcimento das vítimas, já que, mesmo que tenham sido ludibriadas, os crimes são possibilitados pelo vazamento de dados pessoais. Barbosa defende que, desse modo, as vítimas estariam resguardadas pelo artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, que destaca que a não proteção dos dados dos consumidores pode ser considerada uma falha na prestação do serviço.
Quadrilhas que aplicam o golpe são presas em SP e no DF
Integrantes de quadrilhas que aplicam o golpe do motoboy foram presos em ao menos duas ações policiais realizadas neste mês. A Polícia Civil de São Paulo prendeu na tarde de terça-feira, 14, quatro mulheres suspeitas de integrar uma quadrilha especializada em aplicar golpes financeiros, como o golpe do motoboy. Segundo informações da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado, elas foram abordadas em uma casa alugada usada como central de atendimento, no bairro Perus, zona oeste da capital paulista. Foram encontrados no local notebooks, celulares e planilhas com dados de vítimas em potencial.
Após investigação, agentes da 4ª Delegacia da Divisão de Investigações Sobre Crimes Contra o Patrimônio (Disccpat), do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), descobriram que a quadrilha havia montado um call center com operadoras e gravações simulando efeitos sonoros de uma série de instituições financeiras. A central de comando do golpe, segundo a SSP, “foi criada com o objetivo de ludibriar correntistas idosos para obtenção de dados bancários”.
As quatro mulheres foram autuadas por estelionato e associação criminosa. Delegado responsável pela ação, Jacques Alberto Ejzenbaum contou ao Estadão que as mulheres, que têm entre 18 e 19 anos, confessaram que apenas na terça-feira tinham feito ao menos três vítimas do golpe do motoboy. Os casos ainda estão sendo investigados, mas informações preliminares apontam que dois dos crimes teriam sido cometidos com moradores da cidade de Casa Branca, interior de São Paulo. “Uma das vítimas é uma idosa, de 77 anos, que nem sequer tinha chegado a fazer boletim de ocorrência”, relata o delegado.
Ejzenbaum explica que, embora ficassem em uma central em São Paulo, os indícios são de que a quadrilha atuava em todo o Brasil e se associava a outros criminosos, que seriam responsáveis pelo recolhimento do cartão e pelas transações bancárias. A polícia ainda apura se os motoboys, que dão nome ao golpe, fazem parte de todos esquemas ou, em determinados casos, são contratados como terceirizados apenas para buscar o cartão. As investigações prosseguem.
No caso do golpe aplicado em José Militão, por exemplo, os indícios apontam que o motoboy fazia parte da quadrilha. Segundo relato da vítima, para que o motoboy fosse até sua casa buscar o cartão, a suposta atendente disse que o trajeto da moto seria rastreado e informou até mesmo um nome completo e um CPF do motoboy, que foram confirmados pelo homem ao chegar para buscar o cartão. Quando se deu conta que caiu no golpe, a família do aposentado procurou o CPF na internet e descobriu que se tratava de um número falso.
De acordo com o delegado de Polícia da 1ª Seccional de São Paulo, Roberto Monteiro, um outro artifício utilizado pelas quadrilhas para passar credibilidade é pedir que a vítima telefone para o número da central de atendimento no verso do cartão. Por usarem um software de centrais telefônicas que se chama URA, no entanto, as quadrilhas conseguem reter a ligação. Assim, quando a vítima desliga e liga para a central de atendimento pelo mesmo telefone logo em seguida, por mais que pense estar no controle da situação, a chamada é desviada para a quadrilha novamente. A recomendação, nesse caso, é usar outro telefone ou reiniciar o aparelho.
A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) deflagrou no início deste mês a Operação Captis, com cumprimento de mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão não só no DF, mas no Estado de São Paulo. Após ter realizado ações nos anos anteriores para desarticular uma quadrilha que vinha aplicando o golpe do motoboy, os investigadores da PCDF deram continuidade ao trabalho e identificaram o grupo que coordenava a ação de estelionatários.
Os criminosos, segundo a Polícia Civil, mantinham base na cidade de São Paulo e, além de ser responsável pela central telefônica, detinham o controle de toda a movimentação financeira. Segundo investigadores, o patrimônio da quadrilha evoluiu de um pequeno lava-jato na capital paulista, no ano de 2018, para uma rede de lojas de carros de luxo com faturamento de quase R$ 14 milhões em 2020.
Com a deflagração da operação, foram apreendidos 93 veículos de luxo avaliados em R$ 18 milhões, dois imóveis de investigados, cotados em R$ 1,5 milhão cada, e R$ 580 mil em espécie. A megaoperação, que contou com o apoio da Polícia Civil do Estado de São Paulo para realização das diligências, envolveu cerca de 130 policiais civis. Foram cumpridos quatro mandados de prisão temporária e 21 mandados de busca e apreensão nas cidades de Brasília, São Paulo, Guarujá e São Caetano, além da prisão em flagrante de um dos suspeitos pelo crime de posse ilegal de arma de fogo.
Delegado-chefe da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco) da PCDF, Adriano Valente conta que, além de Distrito Federal e São Paulo, a quadrilha que foi alvo da operação também aplicava golpes em Minas Gerais e Rio de Janeiro. Segundo ele, por mais que as centrais de atendimento montadas por essas quadrilhas sejam unificadas, os grupos costumam se associar a criminosos de diferentes locais, o que dá mais capilaridade aos golpes.
O delegado conta que, segundo a percepção dos casos no Distrito Federal, o golpe do motoboy cresceu bastante a partir de 2017. Com isso, a PCDF passou a investigar com mais regularidade as quadrilhas que praticam o crime a partir do ano seguinte. “Desde 2018, quando iniciamos as investigações, a quantidade de ocorrências desse crime é muito grande. São de 300 a 400 ocorrências policiais de golpe do motoboy por ano no Distrito Federal”, conta Valente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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