Segundo relatos feitos ao Estadão, o valor oferecido por interlocutores do Palácio do Planalto pelo voto de cada parlamentar foi de até R$ 15 milhões. Quem coordenou as negociações para a aprovação da proposta foi o próprio presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL).
A PEC foi aprovada em primeiro turno na madrugada de ontem com uma margem estreita – 312 a 144, apenas quatro votos acima dos 308 necessários. Partidos que se colocam como oposição e que pretendem lançar candidatos na eleição presidencial de 2022, como o PSDB, o PDT, o MDB e o Podemos, ajudaram a garantir a aprovação. Parlamentares dessas siglas, que já haviam sido contemplados com recursos do orçamento secreto, deram 52 votos a favor da medida e contribuíram para a vitória do governo.
“Colegas nossos de bancada comentaram que era esse valor, de R$ 15 milhões (para quem votasse a favor da PEC)”, afirmou ao Estadão o deputado Celso Maldaner (MDB-SC), que votou contra e disse não ter recebido nada. Questionado sobre como soube da oferta, o deputado disse ter ouvido o “comentário de um colega de partido, vice-líder de governo, que falou que os vice-líderes estiveram reunidos e falaram nesses números”.
Hildo Rocha (MDB-MA) também relatou conversas sobre a troca de votos por emendas. “Quando os deputados do PDT começaram a votar com o governo nos requerimentos do ‘kit obstrução’, muita gente no plenário avaliou que o governo tinha conseguido conquistar o PDT à base de R$ 200 milhões em emendas de relator”, disse Rocha.
O único integrante do MDB entre os vice-líderes do governo é o deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). Procurado, ele negou ter tratado sobre liberação de emendas em troca de votos. “Zero vezes zero. Eu garanto para você que você não acha um ofício meu (indicando recursos)”, disse o parlamentar, um dos dez do seu partido a apoiar a PEC.
A proposta é tratada como prioridade pelo Palácio do Planalto por abrir espaço no Orçamento para o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, com pagamento médio de R$ 400. A crítica de opositores à medida, porém, é a forma encontrada para viabilizar o benefício.
‘CALOTE’
O texto foi batizado de “PEC do calote” por postergar o pagamento de dívidas da União reconhecidas judicialmente, além de prever um “drible” no teto de gastos, regra que limita o aumento de despesas do governo à inflação. Com isso, o “valor extra” obtido será de R$ 91,6 bilhões, o que daria tanto para encaixar o novo Bolsa Família quanto para ampliar as emendas parlamentares e o fundo eleitoral no ano que vem, como pretendem os parlamentares.
O receio de Bolsonaro de não conseguir colocar de pé o Auxílio Brasil, sua aposta eleitoral para conseguir a reeleição, levou o governo a bater recorde de emendas liberadas em outubro. O valor empenhado foi de R$ 2,95 bilhões. A maior parte, de R$ 909 milhões, em apenas dois dias: quinta-feira (28 de outubro) e sexta (29), logo depois da primeira tentativa frustrada de votar a PEC, na noite do dia 27.
No jargão orçamentário, o “empenho” significa que o dinheiro está reservado para uma determinada finalidade. Tradicionalmente, os ministérios represam as emendas parlamentares e deixam para fazer os empenhos às vésperas de votações importantes no Congresso.
As emendas de relator-geral, identificadas pelo código RP-9, estão na base do esquema do “orçamento secreto”, revelado pelo Estadão. Equivalem a bilhões de reais distribuídos sem que se conheça o autor da solicitação e os critérios para aplicação dos recursos. O mecanismo tem sido usado por Bolsonaro para aumentar sua base no Congresso. Além destas, o governo também aumentou nos últimos dias o ritmo do pagamento de outras emendas, como as individuais e de bancadas.
‘DINHEIRO’
A deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP), que foi líder do governo no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, afirmou que, sem as emendas de relator, a PEC jamais passaria. “Ontem vimos a intensificação dos interlocutores do Palácio, dos representantes do governo, derramando dinheiro em cima de deputado, oferecendo espaços cada vez maiores para tentar aprovar de qualquer jeito a PEC dos precatórios”, disse ela.
A deputada afirmou que também houve pressão para aprovação da PEC que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a qual ela chama de “PEC da Vingança”.
Segundo Lira, no entanto, o que permitiu a aprovação da PEC foi a “diplomacia”. “O resultado foi conseguido na diplomacia das negociações claras, e com o objetivo de destravar uma coisa que é urgentíssima, que é o auxílio emergencial.”
Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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