Estamos nas últimas semanas trazendo alguns pensadores que marcaram o seu tempo e nos deixaram obras brilhantes e ao mesmo tempo sombrias, muitas delas proféticas do ponto de vista de um futuro brilhante, sonhado, imaginado, desejado por milhões de seres humanos, não estamos a falar de agora, isso já vem desde tempos imemoriais, quantas utopias nos foram legadas, cada uma delas com uma riqueza imensa, mas também em cada uma delas, contendo um tendão de Aquiles muito peculiar e foi justamente nesse tendão que elas acabaram ruindo. Sonho impossível de ser alcançado? Talvez, os grandes utopistas esqueceram sempre de lidar com o meio no qual eles estiveram imersos, projetaram fantasias muito além da capacidade humana, no entanto as fantasias não desapareceram, ao contrário assumiram novas nuances, estão todas elas aí.
Um dos grandes nomes que se propuseram a examinar as utopias bem de perto, foi o filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993); este por sua vez trava um belo debate com outro gigante da filosofia, qual seja, Ernst Bloch (1885-1977), Bloch, em seu “Princípio Esperança”, obra monumental alega que ainda não vivemos de fato o que temos para viver, que o verdadeiro ser humano ainda está para nascer, que tudo aquilo que foi feito até agora são imperfeições que precisam ser corrigidas, que tudo aquilo que nos cerca é carregado de uma intensa monotonia, por isso alega sem meias palavras que o ser humano precisa avançar sempre, não importando quão dura seja a luta, segundo ele, dias melhores virão. Bloch aderiu de corpo e alma ao marxismo, que por sua vez também incorporou em seu arcabouço altas doses utópicas; tanto em Jonas, quanto em Bloch, há neles prós e contras.
Aqui nosso propósito é focarmos em Hans Jonas, pois este mesmo não deixando de ser também um utópico, ele o é num sentido mais sereno, porém não menos perturbador, Jonas vê na obra Blochiana um perigo constante onde sem os devidos cuidados podemos cair facilmente em armadilhas; Bloch pregou o hobby e o lazer como futuros remédios para todos os males da sociedade, em Bloch não há espaço para Cassandra alguma, há nele um fascínio por Francis Bacon, outro grande nome que pregará sempre a dominação da natureza. Hans Jonas vai na direção oposta, no sentido de mostrar que a nossa vida não pode ser regada o tempo todo por hobbys e lazeres desmedidos, isso porque eles nos cansam, nos afadigam com as suas frequentes novidades; hoje mais do que nunca vivemos uma era de cansaços, imagens e sons ensurdecedores que tudo poluem, nos desgastam.
Hans Jonas, adentra num tema deveras espinhoso, ou seja, o campo do progresso, esse amplamente multifacetado, complexo e que vem levantando cada vez mais opiniões divergentes por amplos segmentos da sociedade. O progresso nunca foi um tema pacifico, desde o seu início ele gerou tensões acaloradas, seus grandes defensores, ontem e hoje, sempre acreditaram que ele é o único remédio para o atraso humano, que sem progresso, voltaríamos à barbárie antiga; o progresso atinge em cheio a alma do ser humano, deixa-o cego em muitas ocasiões, principalmente quando se trata de levar adiante projetos arriscados e de magnitudes desconhecidas. O progresso, tal e qual o conhecemos hoje, com certeza nos trouxe grandes benefícios, a vida em geral soube aproveitar todas aquelas conquistas advindas do progresso; com ele acreditamos que tudo enfim estaria resolvido.
Hans Jonas, louva as conquistas que o progresso trouxe, mas por outras vias, não deixa de denunciá-lo, indo fundo nas realidades que o progresso arruinou e continua ainda hoje gerando enormes dissabores para todos, em qualquer parte do Planeta. O progresso não é, nunca foi e nunca será inocente, ele sempre cobra um preço alto de tudo e de todos, quem ousa tê-lo como prioridade, uma hora ou outra terá de ajoelhar-se perante as suas infindáveis exigências. Progresso é avanço sobre todas as realidades que conhecemos e também para com aquelas que nos são invisíveis a olho nu; talvez a realidade mais afetada pelo progresso, foi e continua a ser o meio ambiente, este tem um ciclo próprio, tudo nele é definido, sendo o tempo um elemento fundante na sua existência, já para o progresso, não há tempo, nem espaço, tudo então deve ser dominado, tudo posto de joelho, domado.
Bioeticamente, Hans Jonas é um grande referencial, de enorme importância em nossos dias, deve ficar claro que ele não é negacionista do progresso e muito menos tecnofóbico, com lucidez e ponderação faz observações pertinentes que nos últimos anos se tornaram enormes fantasmas para a sociedade, quais sejam: a profunda crise climática, guerras, lutas pelo poder e principalmente a enxurrada técnica que integra nossa vida e nos faz acreditar que sem ela não somos nada, ninguém. Questionar o progresso, nesses tempos parece ser coisa de outro mundo, mas não, é olhar com seriedade pelo que estamos passando e fazermos perguntas fundamentais que os grandes propagadores do progresso têm medo de fazer; que progresso é esse que mata inocentes cada vez mais? Que progresso é esse que deixa milhões morrerem de fome, quando se propagandeia enormes colheitas? Que progresso temos nós, quando os poucos líderes mundiais sequer ouvem os clamores dos seus eleitores e elegem a guerra como sendo aquele único meio para a paz?
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