No último domingo, dia 5 de fevereiro comemorou-se o trigésimo aniversário de morte do filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993), um dos grandes expoentes do século XX, formado em filosofia e teologia, teve como grande mestre, ninguém menos do que Martin Heidegger (1889-1976) porém, a sua devoção para com o mestre recebeu uma ducha de água fria, devido a Heidegger ter se filiado ao partido nazista durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Esse trauma por ter estado diante de uma das mentes mais brilhantes de todos os tempos e que acabou se unindo a um regime político demoníaco, o acompanhou por toda vida, embora seu mestre no decorrer do tempo dissesse o contrário. Jonas fez uma amizade duradoura com Hannah Arendt; ambos Jonas e Arendt, por caminhos diversos anteviram com precisão fenômenos que estão hoje diante de todos nós.
Hans Jonas, viveu o melhor e o pior do século XX, foi um errante durante toda a vida, com a subida do nazismo ao poder na Alemanha foi obrigado a sair do seu país e buscou abrigo na Inglaterra, lutou na guerra e após o término da mesma voltou para a Alemanha buscar sua mãe, nesse momento mais um desgosto, isto é, soube que ela e o restante da sua família havia desaparecido em Auschwitz, nas câmaras de gás. Tal tormento o fez refletir muito sobre o que faria da vida dali por diante, haja vista que paz e família ele havia tido contato ínfimo até então. Diante do mal praticado barbaramente em sua terra, mudou-se para o Canadá e finalmente fixou morada nos Estados Unidos, assim como outros grandes nomes da filosofia alemã; professor exímio, pesquisador nato, tinha o dom da palavra; Hans Jonas, sabe-se hoje deu o pontapé inicial para o movimento ambientalista.
Mas o nome de Hans Jonas ficaria sim conhecido mundialmente no ano de 1979, quando da publicação da sua obra mais importante, isto é, “O Princípio Responsabilidade: Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica”, até então impensável, a palavra responsabilidade assume em Jonas uma nova forma, um novo jeito de estar no mundo das ideias, o de que os seres humanos, com todos os seus sonhos, todas as suas conquistas e também desventuras, precisavam ter diante de si a responsabilidade por todo e qualquer ato que realizassem. Hiroshima e Nagasaki são assim o divisor de águas, o antes e o depois, o agora e o futuro incerto e desconhecido devido à loucura humana levada ao extremo; o perigo real da extinção da espécie humana é ponto central em sua obra magna, todo o aparato técnico dentro da bomba atômica desencadeia nele uma série de reflexões.
Hans Jonas faz sim uma dura constatação em pleno século XX, em outras palavras, que o ser humano integrou em si todas aquelas forças já preparadas longamente no período moderno de nossa história, só que agora de forma totalmente nova, o ser humano tendo como guia e mestre ele próprio, sem levar em conta qualquer ambiente ou criatura, a única regra a ser seguida é fazer a qualquer custo, nem que para isso tenha de se libertar aquelas forças jamais utilizadas até então. Hans Jonas constata assim que o mundo da técnica e todos os seus artefatos não possuem limites, o que por sua vez gera novos tormentos, não no presente, mas no futuro a médio e longo prazo; a mensagem de Jonas tem em mira o futuro e é nesse tempo ainda não chegado que poderão haver aquelas situações de difícil reversão quando a responsabilidade não é tida como uma aliada, amiga ou companheira.
Hans Jonas com maestria, retomou outro nome da filosofia, Kant e junto com ele traz a lume uma nova forma de seu famoso imperativo categórico, devidamente apropriado para aquele momento e também profético para os nossos dias; diz ele: “Age de modo que os efeitos do teu agir sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a terra”. Jonas foi extremamente audacioso para a época e continua sendo hoje. A proposta de Jonas foi recebida com sarcasmo e ceticismo, mostrando assim a mesquinhez dos seus ouvintes, na sua grande maioria grandes indústrias com lobbies poderosos em todo o Planeta; o tempo mostrou que Hans Jonas estava certo em suas constatações, só não imaginava ele que elas se multiplicariam por mil em todas as direções, o ser da técnica colocou o ser humano numa encruzilhada perigosa cujo um passo em falso pode ser fatal.
Bioeticamente, a figura ímpar, intrigante de Hans Jonas está mais viva do que nunca em nosso querido Brasil, largamente estudado, analisado, criticado e também louvado pela sua coragem em assumir uma posição em defesa das gerações futuras, o seu Princípio Responsabilidade pode ser lido pelas mais diferentes áreas, haja vista que hoje tudo está ligado a tudo e como consequência, a falta de responsabilidade em uma área qualquer pode afetar todas as outras com consequências imprevisíveis. Talvez uma das questões mais urgentes que a humanidade precisa enfrentar é a do meio ambiente e do clima, junto com isso tem-se todo um progresso tecnológico que parece não ter freio algum, tamanho é o seu desenvolvimento frenético; no meio desse turbilhão está a técnica com todos os seus artifícios, manhas e artimanhas, sabemos que a técnica é fundamental, mas ao mesmo tempo ela resolve apenas parte do problema; no fundo cabe a cada um de nós ver como anda nossa responsabilidade; o bem ou o mal que fizermos no presente, ecoará no futuro.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
Comentários estão fechados.