Espelhados em ídolos que não podem estar no Brasil por motivos intransponíveis, incluindo a morte, os shows em formato de tributo, homenagem ou cover (não, eles não são a mesma coisa) vivem uma era de alta oferta e entusiasmada demanda na noite em reconstrução de São Paulo. Isso ocorre sobretudo por dois fatores: a alta do dólar, que torna cachês de artistas estrangeiros incompatíveis com um cenário de casas sobreviventes, e a pandemia, que ainda tranca as agendas internacionais.
O movimento dos covers – sedimentado desde o início dos anos 1990, com a abertura às importações, permitindo a profissionalização de reproduções fidedignas de bandas como Beatles, U2 e Pink Floyd – se intensifica como um mercado dentro de outro, com lógica e contratos emocionais próprios.
Um tributo incrível é aquele que cria não uma reprodução do original, mas um terceiro elemento que emerge da ideia do homenageado e da essência do homenageador. Os Blues Beatles, um sexteto excepcional que potencializa o blues no repertório dos Beatles, frequente na programação do Bourbon, consegue virar essa chave e entregar algo além de uma reprodução. É um espetáculo de vida própria, não transplantada.
Já um cover eficiente se dá quando a plateia leva para casa os ídolos que veio buscar. O Hollywood Again, uma das muitas bandas do Metrô Pub, traz vários deles. “Tocamos de Creedence a Kings of Leon, passando por Aerosmith e A-Ha. É mais do que um tributo específico”, diz Denis DeMartins, vocalista do grupo. Ele percebe outra razão para a onda de covers. “As pessoas não têm mais tempo e paciência para ouvir músicas novas.”
A noite já conseguiu categorizar os shows reverenciais em três tipos: “tributo” é para quem já morreu, “homenagem” é para quem está vivo e “cover” é para qualquer um, vivo ou morto, que terá sua obra xerocopiada. Homenagens e tributos podem ser prestados sob juramento de lealdade à imagem e à acústica do ídolo – e isso inclui as perucas dos Beatles, os óculos de Elton John e as cordas usadas pelo guitarrista David Gilmour – ou de forma mais livre, descolada com alguma segurança dos originais.
Assim como diz a cantora Indiana Nomma, especialista em tributar noites a Billie Holiday, Sarah Vaughan, Etta James e Aretha Franklin desde 2000, além de ter possivelmente a melhor devoção artística a Mercedes Sosa fora da Argentina, uma boa noite “pode vencer o tempo e o espaço, levando a plateia a se conectar com algo que muitas vezes nem existe mais”.
TALENTO E PESQUISA. O campo da conexão com os ídolos acusa as menores falhas. Edgard Radesca, do Bourbon, diz que um bom show requer um excelente intérprete e uma grande banda. “É preciso talento para se viver o talento do outro.” Alma Thomas é um exemplo de sua fala. Cantora de Nova York radicada no Brasil, grande voz moldável a muitos talentos, ela diz que pesquisa muito antes de subir a um palco. “Ao fazer Ella Fitzgerald, é preciso saber do canto dos anos 40, 50 e 60. Nina Simone é outra coisa, mais centrada em 60 e 70, com outros recursos. E ArethaFranklin entra na fase da Motown. Cada uma tem sua linguagem.” O nível dos artistas entusiasma outro empresário da noite, Daniel Assis, do Metrô Pub. “Já vi bandas cover melhores do que as originais.”
Daniel Stain, do Blue Note, também em fase de muitos tributos, diz que gostaria de não precisar de tantos shows do gênero, que acabam tomando espaço dos autorais, mas que hoje é uma necessidade. “Em geral, as plateias no Brasil não têm curiosidade pelo novo. As pessoas querem ouvir o que já conhecem.” Indiana aponta um ecossistema interessante. “Os projetos da Lei Aldir Blanc e os shows do Sesc dão bons espaços aos shows autorais brasileiros. Não vejo problema em haver mais tributos nas casas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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