“A escola traça objetivos próprios para ele. As outras crianças participam, até brigam para decidir quem vai fazer com ele”, conta a advogada Mariana Campos de Souza, de 45 anos, sobre a experiência do filho Marco Antônio, de 13, em uma turma inclusiva. Entre os ganhos que observou estão maior autonomia e sociabilidade. “A vontade de estar com outras crianças aumentou. Ele (que tem deficiência intelectual) se sentiu acolhido.”
Nesta semana, o titular do MEC, Milton Ribeiro, disse que há crianças com grau de deficiência em que “é impossível a convivência” em classe e, além disso, defendeu separar esses alunos em classes especiais. A fala foi alvo de críticas e ele se desculpou.
A oferta de turmas inclusivas (ou mistas) no lugar da segregação em escolas especiais se tornou amplamente defendida nos anos 1990, mas passou a ser mais incentivada no Brasil após 2008, com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. A Organização das Nações Unidas (ONU) diz que o acesso à educação inclusiva é direito de todos.
Trabalho do Instituto Alana com a ABT Associates de 2016, coordenado pela Universidade de Harvard, compilou 89 estudos de 25 países que revelam ganhos do ensino inclusivo para todos – um deles é alunos sem deficiência terem opiniões menos preconceituosas e serem mais receptivos a diferenças.
Cerca de um terço dos alunos de educação especial estava em escolas ou turmas especiais há dez anos. Hoje, 93,3% estão em classes inclusivas. Até mesmo na rede privada, onde a adesão ainda é menor, as classes mistas passaram a ser maioria (58,5%).
No Instituto Jô Clemente, antiga Apae de São Paulo, a escola especial foi encerrada em 2010, após a transição da maioria dos alunos para escolas regulares. Supervisora do Atendimento Educacional Especializado na instituição, Roseli Olher acompanhou: “As pessoas com deficiência que passaram a frequentar escolas comuns e a conviver com outras pessoas que não tinham deficiência se desenvolveram muito mais que o outro grupo, em termos de autonomia, independência, postura de estudante”, diz. “Passaram a ter voz, optar pelo que queriam.”
Para ela, a maior difusão da educação inclusiva explica o avanço maior no ensino médio – a alta de alunos com deficiência na etapa foi de cinco vezes. “Por conta das dificuldades, as famílias desistiam”, afirma.
A ideia na educação é perceber o aluno como indivíduo e parte de um grupo. Independentemente de ter deficiência, cada um vive a aprendizagem de um jeito e, por vezes, isso requer adaptações. “Trabalha-se o mesmo conteúdo, mas de formas distintas”, afirma Roseli.
Pesquisa Datafolha em 2019 mostrou que 86% dos entrevistados concordaram com a frase “escolas se tornam melhores ao incluir crianças com deficiência” e 76% acreditam que alunos com deficiência aprendem mais junto de crianças sem deficiência. Por outro lado, 42% acham que o aluno com deficiência atrasa o aprendizado de colegas sem deficiência. E constatou 26% das crianças e adolescentes de 0 a 14 anos com deficiência fora da escola.
Exemplos
Na Escola Municipal Água Azul, zona leste de São Paulo, a diretora Eliane Torres conta que 48 dos cerca de 1,3 mil alunos têm deficiência. No local, há professoras especializadas em identificar necessidades e a orientar educadores da turma. “A inclusão não é só colocar dentro da escola, mas ter acesso ao currículo, como todos.” Nas salas, se preciso, estagiárias são enviadas para dar auxílio, mas sem excluir o aluno das dinâmicas da turma. Funcionários são designados para auxiliar no caso dos que precisam de apoio em outros momentos dentro da escola.
Diretora da Educação Básica do Colégio Mackenzie, privado, Márcia Régis comenta que todas as turmas com alunos com deficiência passam por atividades para os demais conhecerem qual é aquela deficiência. “Para saberem o que é isso, conhecerem no dia a dia as necessidades de uma criança com Síndrome de Down (por exemplo), como o ambiente pode ser mais favorável a ela. Nossos alunos cresceram muito em relação a isso”, diz.
Famílias de alunos com deficiência relatam ainda dificuldade para a matrícula na rede privada, assim como atendimento adequado. A criadora de conteúdo Veronica Oliveira, de 40 anos, pela primeira vez vive experiência satisfatória com o ensino do filho Ian, de 13, que tem autismo e está na 7.ª série. “Ele tem acompanhamento mais dedicado. Tinha dificuldades com algumas matérias que agora está entendendo bem. Ficou ótimo em Matemática, uma coisa que nunca tinha acontecido.”
Em todas as outras, por mais que tenha percebido boa vontade, os profissionais não eram capacitados. “A cada ano, trocávamos de escola. Teve colégio que ele estudou que os próprios pais (de outros alunos) eram contra a inclusão”, lembra.
Nas duas primeiras escolas que buscou este ano, viu resistência ao citar a deficiência. Fez, então, a pré-matrícula sem citar o autismo. Pagou mensalidades adiantadas e entregou a ficha de saúde – quando foi informada pela escola que havia ocorrido erro e que as vagas esgotaram. No atual colégio, há diálogo aberto com a equipe de saúde que acompanha Ian.
A falta de estrutura ou materiais é outro gargalo. “Nas escolas comuns, o que falta ainda são recursos humanos, acessibilidade arquitetônica, etc. Por ainda não estarem todas preparadas, complica um pouco a inserção”, diz Roseli Olher. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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