Um estudo recente do Credit Suisse mostra, inclusive, que desde 1999 a inflação nunca havia surpreendido tanto o mercado quanto agora. O índice de “surpresa da inflação” do banco alcançou 4,6% em julho. O número é 1,1 ponto porcentual superior ao segundo mais alto da série, os 3,5% registrados em janeiro de 2016. Confira, abaixo, trechos da entrevista.
Dadas as surpresas constantes na inflação, por que o mercado ainda está com uma expectativa relativamente baixa para a inflação do ano que vem?
A inflação deste ano está sendo bastante surpreendente para o Banco Central e para o mercado. É a maior surpresa da história do regime de metas para a inflação (instaurado em 1999). E é uma surpresa alta e persistente. Quando você tem uma surpresa por alguns meses consecutivos, teoricamente as pessoas deveriam se surpreender menos, mas isso não está acontecendo. Outro fato é que o Focus (pesquisa feita pelo BC com bancos e consultorias para saber as expectativas do mercado) reage muito lentamente. Quando você pensa em projeção para 12 meses, o mercado ainda acredita que a inflação vai convergir para a meta no ano que vem. Ele não tem ajustado a expectativa. Isso mostra uma certa inércia do Focus e do mercado. As expectativas no Focus estão demorando para se mexer, e são essas expectativas que o Banco Central foca. Mas é questão de tempo para o Focus começar a subir as expectativas para 2022. O choque no preço da energia vai aumentar significativamente a inflação neste ano e, pela inércia inflacionária, deve começar a afetar os preços no ano que vem. Mas tem outra variável importante para o ano que vem, o câmbio. O mercado agora está muito estressado com a questão dos precatórios e do Bolsa Família. O mercado espera hoje uma solução menos pior para esses pontos.
Qual o impacto das crises política e fiscal nessas surpresas na inflação?
Pelos fundamentos da economia e pela valorização das commodities, a taxa de câmbio deveria estar mais apreciada. Então, tem um prêmio de risco, sim, ligado à incerteza política e fiscal. Quando a pandemia começou, a taxa de câmbio depreciou bastante, porque a aversão ao risco aumentou globalmente. Todas as moedas depreciaram. O real foi a moeda que ficou mais depreciada por mais tempo. Isso está relacionado ao fiscal, à dúvida em relação à manutenção do teto. Aí o câmbio influencia a inflação. É claro que isso surpreendeu o mercado e o BC também. Quando o BC jogou a Selic (a taxa básica de juros) para baixo, imaginou que a depreciação do câmbio seria temporária. O que acabou não ocorrendo. Mas eu diria que essa não é uma surpresa do mês a mês. A surpresa do câmbio aparece no médio prazo. Já essa surpresa que aparece mês a mês está relacionada à pandemia, à quebra de cadeia produtiva que ninguém conseguiu prever. Isso está se prolongando. Outro ponto que explica essa surpresa é a inércia inflacionária. O mercado e o BC acreditavam que a inércia inflacionária da economia tinha sido quebrada depois de a inflação convergir para a meta em 2017 e 2018. Isso se mostrou errado. A inércia ainda é muito elevada e anda com a inflação. Quando a inflação começa a subir muito, a inércia aumenta.
Por que isso ocorre?
Como a inflação está se mantendo alta por muito tempo, as pessoas começam a tentar se adaptar a esse ambiente. O empresário tenta recompor sua margem aumentando os preços. Os funcionários barganham salários maiores. Todo mundo começa a projetar que o futuro vai ser parecido com o momento atual, de inflação alta. Com o choque inflacionário, logo depois de abril do ano passado, quando as surpresas começaram a aparecer, a inércia virou rapidamente. Com a inflação acumulada próximo a 9%, é natural esperar que a inércia aumente. Foi um erro apostar que ela tinha se quebrado estruturalmente.
Qual será o impacto dessa inflação mais alta do que o esperado na economia?
Há dois canais aqui. O juro vai ter de ir para um patamar mais restritivo para levar a inflação para a meta e terá de ficar mais alto por mais tempo. Isso impacta no crescimento. Outro lado é que o consumidor perde poder de compra. Se a economia estiver crescendo, esse poder de compra é reposto, e a inflação não é um grande problema. Mas, com a economia começando a desacelerar porque o juro de longo prazo já está mais alto devido às incertezas eleitoral, política e fiscal, o poder de compra pode ser corroído de maneira mais forte. Isso também freia a economia. Por isso, baixamos nossa expectativa de crescimento para 2% no ano que vem e ainda achamos que o viés é de baixa.
Como voltar a uma inércia menor?
O Banco Central terá de continuar apertando juros. Essa é a maneira mais direta de controlar a expectativa. Se os agentes perceberem que o Banco Central não está mirando a meta, todo mundo aumenta a expectativa de inflação. Agora, o BC vai precisar da ajuda do fiscal. Se o fiscal não estiver ancorado e o BC sobe o juro, tendo 40% da dívida atrelada à Selic, isso começa a gerar temor de dominância fiscal (quando o aumento do pagamento do juro da dívida agrava o desequilíbrio fiscal, o que afugenta investidores, deprecia o câmbio e eleva, novamente, a inflação). O BC, portanto, não vai conseguir fazer o trabalho sozinho.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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