O futebol está em constante mutação. Nos últimos 30 anos, algumas mudanças foram verificadas no esporte mais popular do planeta. O futebol viu, principalmente, transformações significativas no aspecto tático, na forma de atuar das equipes. Com o avanço da tecnologia, as informações e os dados sobre jogadas, sistemas e estratégias fluíram de forma mais rápida do que nunca dentro de campo. Uma turma de profissionais, incluindo treinadores, se propôs a pensar sobre o assunto. E a colocar em prática propostas que resultaram em nova dinâmica do jogo. Tudo nasce na Europa e ganha depois o restante do planeta.
Nos dias atuais, o futebol de alto nível tem algumas marcas importantes, como a diminuição dos espaços do campo, aumento da pressão sobre a bola e, também, da intensidade do jogo. Mudanças como essas ajudaram a transformar o futebol nas últimas três décadas.
“A evolução nunca para: continuar fazendo a mesma coisa é esperar pela extinção”, avalia o jornalista inglês Jonathan Wilson, uma das principais referências na análise tática, no livro “A pirâmide invertida: A história da tática no futebol”.
Um dos aspectos mais notórios dessa evolução é a “redução do campo de jogo”. Claro, as medidas não ficaram menores. Mas a maneira como as equipes se posicionam se reflete nesse “espaço menor” e de muita briga. Os times buscam jogar de forma compactada, em bloco único, tanto para atacar quanto para se defender.
“As equipes atualmente atuam mais compactas e a partida se parece muito com o futsal, já que são muitos jogadores dentro de um pequeno espaço. Além disso, a pressão na bola é intensa, fazendo com que o jogador precise cada vez mais da velocidade de raciocínio na tomada de decisão. O jogo, por ter ficado mais apertado, ficou muito tático”, analisou Pedrinho, ex-jogador e hoje comentarista esportivo do SporTV, ao Estadão.
OUTRO RITMO
O futebol destes primeiros anos do século 21 tem um ritmo bem diferente do que se via há três décadas, por exemplo. Os jogadores estão mais velozes, e isso é parte do fenômeno da evolução física dos atletas, reflexo da maior participação da ciência no futebol.
“O ritmo do jogo aumentou. Os jogadores correm muito hoje em dia e a maneira tradicional de interpretar esse fato é a de que o time que mais corre é o que vence. Nossa análise, no entanto, mostra que essa visão é superficial demais. Nosso foco agora está nos detalhes dos sprints dos jogadores, onde acontecem, como são feitos e em qual direção”, diz o técnico alemão Joachim Löw no livro “Entre Linhas: de Ajax a Zidane, a construção do futebol moderno nos gramados da Europa”.
Alterações nas regras também contribuíram e interferiram na questão tática. Há 30 anos, o futebol viu mudança significativa na regra do recuo para o goleiro. Sem poder mais receber a bola com as mãos, eles precisaram usar os pés.
Isso trouxe transformações importantes no jogo. Cada vez mais atletas da posição são treinados para utilizar os pés, participando ativamente da saída de bola e também para ajudar a defesa. Manuel Neuer, do Bayern de Munique e da seleção alemã, é uma referência desta transformação. Saber jogar com os pés virou um requisito quase obrigatório para os goleiros atuais, até no Brasil. Muitos treinadores sequer contratam para a posição quem não tem “intimidade” no trato com a bola.
O argentino Jorge Sampaoli, hoje no comando do Olympique de Marselha, é um deles, para citar um exemplo. Quando esteve no Santos, uma de suas primeiras medidas foi barrar Vanderlei, então em grande fase e ídolo da torcida, mas que não sabia “jogar com os pés”. Pediu a contratação de Everson, na época no Ceará e que atendia ao requisito, e o tornou titular. Depois, ao ir para o Atlético-MG, levou o goleiro para Minas Gerais.
O jogo posicional, amplamente adotado no futebol atual, foi criado há décadas, no século passado. Foi aprimorado por Johan Cruyff, craque holandês que brilhou nos gramados na década de 1970 e depois teve grande desempenho como técnico, notadamente no Barcelona, e aperfeiçoada posteriormente por vários treinadores, em especial o espanhol Pep Guardiola.
O conceito é valorizar a posse de bola e saber preencher os espaços do jogo como forma de suplantar o adversário. A equipe se posiciona pautada pela posição da bola.
“Pep divide o campo em diferentes seções, formando visualmente uma espécie de tabuleiro, e busca evitar que muitos jogadores ocupem uma mesma linha, tanto horizontal quanto verticalmente, quando o time tem a bola. Isso evita passes previsíveis para o lado, permite movimentações mais fluidas e faz os jogadores se distribuírem de maneira uniforme no campo, facilitando a pressão caso percam a posse”, explica o jornalista inglês Michael Cox, autor do livro “Entre Linhas: de Ajax a Zidane”.
ESPAÇO E PRESSÃO
No livro “Guardiola Confidencial”, o espanhol explica que sua estratégia é movimentar a bola de um lado para criar espaço do outro. “Em todos os esportes coletivos, o segredo é sobrecarregar um lado para que o adversário ajuste sua defesa. Você sobrecarrega um lado, os atrai para lá, e eles deixam o outro lado fraco. É por isso que você tem de passar a bola, mas somente com uma intenção clara.”
Há quem recorra frequentemente ao Geggenpressing, expressão alemã que significa “contrapressão”. Por ela, o objetivo é, uma vez perdida a bola, retomá-la com a maior rapidez possível. Com isso, pressiona-se a transição da equipe adversária, o que ajuda a provocar o erro do oponente na tomada de decisão. A ideia não é nova, mas foi aperfeiçoada.
O técnico alemão Jürgen Klopp, do Liverpool, é o principal expoente do conceito, que orienta a pressão sobre o jogador que está com a bola, a recomposição e a manutenção da estrutura da equipe.
“O melhor momento para recuperar a bola é imediatamente depois de perdê-la”, explicou Klopp. “O adversário ainda está tentando se orientar, procurando o melhor passe. Ele terá sido obrigado a tirar os olhos do jogo para fazer o desarme ou a interceptação e terá gasto energia. As duas coisas o deixam vulnerável.”
NOVOS TERMOS
A evolução tática incorporou ao futebol várias expressões, como “amplitude”, o posicionamento de jogadores bem abertos, nas extremidades laterais do campo, com o objetivo de abrir espaços no meio. Ao dar “profundidade”, um time quer deixar o adversário mais próximo do gol que defende. “Entrelinhas”, termo a que o técnico da seleção brasileira, Tite, recorre frequentemente, é movimentar os jogadores entre as linhas de marcação do rival.
Outra expressão que Tite adora é “último terço”: o campo é dividido em três partes e a última delas é a que está mais próxima do gol adversário. Vários treinadores, que exigem fidelidade aos conceitos táticos implantados, “liberam” os jogadores para improvisar e usar a criatividade neste terço final – por estar bem longe do gol defendido por seu time.
Com exceção da bola parada, o futebol pode ser dividido em quatro fases: quando o time tem a bola, quando o adversário está com ela e os dois momentos em que uma equipe vai de uma para outra fase. Nas duas últimas surgem oportunidades para explorar a lentidão do adversário. É o momento de “transição”.
Já a “periodização tática” é uma metodologia em que se busca adaptar o treino ao modelo de jogo proposto pelo técnico. Nada de atividades longas ou focadas só na parte física. São treinamentos mais intensos em intervalos de tempo mais curtos.
Esses e outros conceitos refletem a evolução tática, que hoje se propõe mais intensa, organizada e cerebral do que no passado, sem tolher a habilidade e o poder de improviso dos atletas, o que às vezes é um desafio.