Semelhanças à parte com a sina de cientistas que alertam sobre catástrofes na vida real, a Fundação foi inspirada em grande medida no relato do historiador Edward Gibbon sobre a ascensão e queda do Império Romano. Apesar das narrativas futuristas, das naves espaciais e dos dilemas sobre a tecnologia, Asimov jamais escondeu ser um inveterado amante de história. Tanto que, de cerca dos 500 livros que ele publicou, editou ou organizou, a ficção foi numericamente uma minoria diante das obras de divulgação das ciências exatas e humanas.
Um exemplo dessa produção acaba de ganhar nova edição: Os Egípcios – As Origens, o Apogeu e o Destino de uma Civilização, lançado pelo selo Minotauro da editora Planeta. O livro é parte da Coleção História Universal Isaac Asimov, que contempla também os povos grego e romano, cujos volumes devem ser publicados no Brasil em 2022.
Acompanhar a jornada do Egito pelas palavras de Asimov é compreender como fatores ligados à natureza influenciaram o desenvolvimento da humanidade, uma vez que o escritor trata não apenas dos aspectos puramente históricos, mas mostra, por exemplo, como o degelo das regiões polares no fim da última era glacial transformou o Saara em um deserto e fez com que a civilização que daria origem ao Egito se fixasse às margens do colossal rio Nilo.
Foi graças às planícies alagáveis do vale do Nilo que os egípcios puderam desenvolver a agricultura, se assentar em cidades, aumentar sua população e prosperar. Como o mecanismo biológico por trás da germinação das sementes ainda era desconhecido para essa civilização, rituais místicos de fertilidade eram associados ao sucesso das plantações, o que, de acordo com Asimov, foi fundamental para o surgimento de uma sociedade tão organizada em torno de sua religião. Foram os sacerdotes egípcios, ao estudar o movimento da Lua e os padrões de cheias do Nilo, que notaram a regularidade de ciclos de 365 dias que costumava se repetir e fizeram um calendário lunar que foi mais ou menos a base do que usamos até hoje.
Se as inundações anuais do Nilo fertilizavam a terra e pavimentaram o surgimento do império egípcio, elas também borravam as demarcações entre lotes individuais. Para solucionar essa questão, criou-se um conjunto de métodos de medição da terra que lançaram as bases da geometria. Também se fez necessário identificar quem produziu o quê e em qual propriedade. Para isso, os egípcios levaram adiante a invenção pictográfica dos povos que viviam às margens dos rios Tigre e Eufrates, criando assim o sofisticado sistema de hieróglifos – mas a teimosia de 2 mil anos para adotar o dinâmico sistema alfabético somada à inferioridade bélica e ao isolacionismo exacerbado levariam o Egito a ser dominado por povos estrangeiros, como núbios, assírios e romanos. Como ocorre também em sua prosa literária, nos livros de história Asimov gosta de evidenciar como as inovações tecnológicas são determinantes para a prosperidade de um povo e como o conservadorismo dogmático costuma deixá-lo para trás.
A privilegiada posição estratégica do Egito, entre os mares Mediterrâneo e Vermelho, fez com que suas terras fossem cobiçadas por muitos impérios da Antiguidade e obrigou os egípcios a se defender com diferentes graus de sucesso, usando artifícios políticos variados, mas também permitiu que fossem grandes comerciantes. Já no século 13 a.C. o faraó Ramsés II planejou construir um canal unindo os mares – hoje, 12% do comércio global passa pelo Canal de Suez – e, por volta de 600 a.C., os egípcios contrataram os navegantes mais talentosos da Antiguidade, os fenícios, para realizarem a primeira circum-navegação da África – dois mil anos antes dos portugueses.
Talvez por não ser um historiador de formação – ele era bioquímico -, Asimov explica ao leitor leigo não apenas a história do Egito, mas como funciona o método historiográfico, a diferença de confiabilidade entre os tipos de fontes históricas e como ele chegou às conclusões que oferece. Quem já leu a saga da Fundação vai notar que muito do interesse do autor pela intriga política e pela influência da religião na sociedade se faz presente em Os Egípcios – na Fundação, uma pequena colônia de enciclopedistas assume o vácuo de poder deixado pelo antigo Império Galáctico graças a diversas artimanhas, inclusive a dominação de povos bárbaros por meio de uma espécie de “religião científica”.
Asimov passa pela unificação do Egito, ainda em sua pré-história, sob a figura semilendária de Menés; pela construção das pirâmides no Antigo Império, há mais de 4 mil anos; pela dinastia ptolomaica, com personagens saborosos como Cleópatra, Júlio César e Marco Antônio; pela expansão e pelas crises do Império Romano sob o ponto de vista egípcio – como quando o imperador bizantino Justiniano, um católico fervoroso, fechou o Templo de Isis e destruiu a religião milenar egípcia; e pela ascensão do Egito islâmico, que encerra o livro.
Ao fazer disciplinas exatas e humanas dialogarem, popularizando o saber científico em todas as suas formas, Asimov contribuiu para a divulgação do conhecimento tanto em sua obra literária quanto em seus livros de não ficção. Os Egípcios é uma dessas pérolas, finalmente disponibilizada aos leitores brasileiros.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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