Além disso, foram acrescidos ao contrato dois novos itens: a construção da linha de BRT que ligará o ABC ao metrô de São Paulo – o BRT substituirá o projeto da Linha 18 do Metrô, abandonado pelo governo – e a concessão de todas as 85 linhas de ônibus intermunicipais da região do ABC. Tudo isso sem licitação e ainda com o governo aceitando reconhecer uma dívida de R$ 738 milhões, a título de reequilíbrio do contrato original.
A operação nasceu na Secretaria de Transportes Metropolitanos, comandada por Alexandre Baldy, e foi adotado pelo Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas, liderado pelo vice-governador Rodrigo Garcia, em reunião extraordinária de 21 de dezembro de 2020. Ela foi suspensa por liminar do desembargador Luiz Edmundo Marrey Uint, da 3.ª Câmara de Direito Público. O Estado já havia pago à Metra R$ 184 milhões da dívida e concordado em quitar outros R$ 550 milhões em 24 parcelas.
A decisão do desembargador foi tomada após ação popular proposta pelo advogado Alceni Salviano da Silva. A prorrogação do contrato do trólebus e a inclusão da linha do BRT (ônibus de velocidade rápida, na sigla em inglês) e das linhas de ônibus intermunicipais foi a forma encontrada pela gestão João Doria (PSDB) para cumprir a promessa de campanha de ligar o ABC ao sistema de metrô da capital.
Mas a decisão do governo gerou descontentamento nas 16 empresas de ônibus que exploram o serviço de ônibus intermunicipal, que seria passado à Metra em 2022. Duas delas, em fase de recuperação judicial, também foram à Justiça tentar barrar o acordo. “Ora, é notória a existência de outras empresas no ramo do transporte público coletivo potencialmente capacitadas para realização do objeto aditado, tanto no que concerne à assunção das linhas de ônibus intermunicipais quanto à instalação, construção e operação de BRT intermunicipal”, escreve o desembargador na liminar.
Propina
O contrato da Metra já havia sido prorrogado uma vez, em 2017. A empresa é conhecida por atuar em São Bernardo do Campo, prefeitura controlada pelo PSDB. Seu dono, o empresário João Antonio Setti Braga, admitiu pagar propinas de R$ 2,5 milhões (R$ 7,1 milhões em valor atual) à gestão de Celso Daniel (PT), em Santo André, em 2002. O Estadão procurou a Metra, Baldy e Garcia, mas eles não deram entrevista. O governo defende a legalidade do contrato.
Para o advogado Samuel Alves de Melo Junior, que representa Silva, a escolha sem licitação e a concessão à Metra dos novos serviços fere os princípios da moralidade, da impessoalidade e da legalidade na administração pública. “Já há prejuízo à administração. Na minha ótica, tem coisa errada aí.”
A Procuradoria-Geral do Estado entrou com recurso para cassar a liminar, na qual alega que tudo foi feito dentro da legalidade. A PGE afirma que o governo terá de pagar de imediato R$ 553 milhões – já pagou R$ 184 milhões – da dívida que reconheceu ter com a Metra em razão do acordo. A primeira parcela já paga representava 20% do valor da dívida. A PGE também afirmou que o governo será forçado a subir a tarifa de ônibus intermunicipal para pagar a dívida e que a Metra terá de demitir 150 trabalhadores já contratados para ampliar os serviços.
Segundo o governo, a decisão de romper o contrato com o consórcio Vem ABC, que construiria a Linha 18 do Metrô (substituída pela linha de BRT entregue à Metra), não causará ônus ao governo, pois este só “deveria indenizar a empresa se ela já tivesse feito investimentos na obra”, o que não teria ocorrido. A ação popular que pediu a suspensão do contrato afirma, porém, que a empresa teria direito a uma indenização que pode chegar a R$ 1 bilhão.
Em nota, a Secretaria de Transporte Metropolitanos informou que “a prorrogação antecipada do Contrato do Corredor ABD tem fundamento legal expresso na Lei Estadual nº 16.933, de 24 de janeiro de 2019”. Para o advogado Samuel Alves de Melo Junior, a lei estadual não está acima da Constituição e da legislação federal que mandam licitar.
O Estadão perguntou à secretaria quais os critérios usados para se chegar ao cálculo que levou o Estado a reconhecer a dívida de R$ 738 milhões com a Metra para reequilíbrio do contrato, mas a secretaria não respondeu. Procurados, o secretário Alexandre Baldy e o vice-governador Rodrigo Garcia se manifestaram por meio da nota da Secretaria de Transportes. A reportagem também procurou a Metra, mas a empresa não respondeu. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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