Em localidades mais populares como Curuzu, na Liberdade, ou Santa Cruz e Vale das Pedrinhas, no Complexo do Nordeste de Amaralina, por exemplo, não é difícil encontrar familiares de pessoas que acabaram mortas após operações ou mesmo incursões corriqueiras da Polícia Militar.
Em 2020, ao menos dois casos ganharam grande repercussão após manifestações das comunidades, nos meses de junho e novembro, respectivamente: as mortes do estudante Micael Silva Santos, de 12 anos, no Vale das Pedrinhas, e de Railan Santos da Silva, de 7, no Curuzu.
Os dois garotos foram atingidos por disparos que, segundo a PM, eram um revide ao ataque de traficantes. As famílias, por sua vez, contestaram a versão sob a justificativa de que as vítimas eram inocentes e os militares chegaram atirando. Segundo a polícia, os inquéritos foram concluídos e encaminhados à Justiça.
Já em junho de 2021, a população do Curuzu foi às ruas pedir justiça pelas mortes da dona de casa Maria Célia de Santana, de 73 anos, e da manicure Viviane Soares, de 40, que foram atingidas por disparos enquanto conversavam na porta de casa, próximo à Senzala do Barro Preto, sede do Ilê Aiyê.
Viviane era tia de Railan e havia chorado a morte do sobrinho sete meses antes. Ela deixou um filho de 10 anos. Segundo a PM, houve troca de tiros durante perseguição a um homem que dirigia um carro roubado. A Polícia Civil investiga as circunstâncias.
Em geral, em casos como os de Micael, Railan, Maria e Viviane, para além do luto, os familiares das vítimas convivem com o medo. Parentes evitam falar sobre o assunto por não se sentirem seguros.
“Infelizmente, a realidade é que não tem nada que nos garanta a proteção. Meu filho morreu por um tiro disparado por um militar. Eu gostaria muito de falar, mas tenho medo. E não quero reviver o sentimento mais triste que existe. Continuo morando no mesmo lugar, tenho que sair para trabalhar. Continuo vivendo inseguro, prefiro me preservar, porque infelizmente não serei o último a passar por isso”, afirmou o pai de um jovem à reportagem.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Bahia (OAB-BA), Jerônimo Mesquita comenta que 70% das demandas recebidas na autarquia se referem a casos relacionados a ações policiais. Ainda segundo ele, em 100% das situações, os mortos são jovens negros, de 16 a 25 anos, moradores de regiões periféricas.
“Depois que recebemos as denúncias, formamos o processo e passamos a acompanhar junto à corregedoria (da polícia)”, explica Mesquita, ao destacar que investigações como essas podem demorar meses ou até anos. “Não temos problemas quanto à transparência das investigações, o que dificulta é a morosidade dos processos”, complementa.
Jerônimo diz ainda que o número de casos que chegam à OAB não sofrem redução há pelo menos oito anos, tempo em que ele está à frente da comissão. “O nosso trabalho é importante porque dá visibilidade. Por isso, as famílias nos procuram muito. Mas também é muito comum que não queiram formalizar a denúncia por medo, o que dificulta o processo”. Ele reforça que, independente do tempo, os familiares devem denunciar os casos junto aos órgãos competentes a fim de facilitar o esclarecimento dos fatos.
Em nota enviada ao Estadão, a Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) informou que as polícias Civil e Militar investem anualmente em treinamento para utilização da força apenas em caso de necessidade e de forma escalonada, durante operações, abordagens e blitze.
“O uso de arma letal é sempre a última opção, utilizada quando existe a necessidade de proteger a vida dos policiais envolvidos no confronto e de inocentes. A SSP destaca ainda que todos os autos de resistências (mortes em decorrência de ações) são investigados pelas corregedorias que atuam de forma rígida, quando existe indício de excesso”, finalizou a pasta.
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