“No meu cartão de visita, sou presidente corporativo. Na minha cabeça, sou desenvolvedor de jogos. Mas, no meu coração, sou gamer”, disse Iwata, certa vez, uma das muitas citações que se destacam no livro.
Ao longo da obra, Iwata descreve sua visão para a Nintendo: oferecer entretenimento que toda a família possa desfrutar, independentemente da idade, sexo e habilidades. A cultura da empresa promovida por ele encorajou muitos outros criadores de jogos, provando que Iwata era um deles de coração.
Iwata pertencia a uma geração mais jovem do que a vanguarda dos líderes industriais japoneses que chamaram a atenção global: Soichiro Honda, fundador da montadora que leva seu nome; Momofuku Ando, inventor do macarrão instantâneo; Akio Morita, que fundou a Sony em uma oficina em meio a escombros bombardeados.
A Nintendo, sediada em Kyoto, começou fazendo cartas de um tradicional jogo japonês chamado hanafuda no século 19, mas, quando Iwata assumiu, em 2002, ela já era uma gigante dos games. Ele passou a investir em um público menos familiarizado com videogames a partir do console Wii e do portátil Nintendo DS, bem como nos jogos para telefones celulares.
O desempenho da empresa teve altos e baixos como numa fase do Super Mario, mas ultimamente tem se saído bem, pois as pessoas ficaram presas em casa devido à pandemia e acabaram se voltando para os jogos. Os lucros de março a dezembro de 2020 dobraram em relação ao ano anterior para quase 377 bilhões de ienes (US$ 3,4 bilhões).
Essa sorte pode não durar quando as atividades normais forem retomadas depois das campanhas de vacinação, uma mudança que provavelmente prejudicará as vendas para os jogadores de videogame casuais, ainda que não para os gamers inveterados que os consoles rivais tendem a atrair.
O ansiado fim da pandemia provavelmente coincidirá, dizem os analistas, com um pico no chamado “ciclo de vida – a duração do apelo do consumidor – das ofertas de consoles da Nintendo, como o Switch. Também surgem questões sobre a capacidade da Nintendo de lucrar com o crescente setor de jogos para celulares.
Os consoles podem continuar evoluindo, como aqueles com realidade virtual, dizem os analistas. A Nintendo também possui negócios em propriedade intelectual e está à frente de empreendimentos lucrativos como merchandising e parques temáticos.
Todos esses negócios prosperaram sob a presidência de Iwata – Kenshu Kikuzawa, professor de administração de empresas da Universidade Keio, acredita que os pontos fortes das empresas japonesas vêm de suas práticas tradicionais, como emprego vitalício e aumentos salariais por senioridade, que ainda caracterizam as principais empresas japonesas, entre elas a Nintendo.
Isso, por sua vez, gera lealdade dos funcionários, o que Kikuzawa acredita ser importante no trabalho criativo que impulsiona a Nintendo. As empresas japonesas deveriam continuar sendo japonesas, fazendo o que fazem de melhor: manufatura artesanal, disse Kikuzawa, exatamente como Iwata fazia na Nintendo.
“A Nintendo é, em muitos aspectos, uma empresa japonesa muito antiquada”, disse ele. “No final das contas, os funcionários da Nintendo realmente amam a Nintendo. A lealdade à empresa é forte.”
Esse tipo de compromisso emocional permite que a empresa supere as dificuldades, mesmo em períodos de perdas financeiras, já que os funcionários seguram firme e trabalham duro para a recuperação, disse ele.
Iwata mostrou talento para programação quando jovem. Ele trabalhava meio período no Laboratório HAL do Japão, conhecido pelos jogos Kirby, e já colaborava com a Nintendo antes mesmo de se formar no prestigioso Instituto de Tecnologia de Tóquio. A primeira coisa que fez foram jogos para máquinas Nintendo Famicom, lançadas na década de 1980.
Iwata foi promovido a chefe da HAL antes de assumir o comando da Nintendo. Seus colegas dizem que ele era um bom ouvinte e conversava muito com todos na empresa pelo menos duas vezes por ano, tentando ser justo e respeitoso.
“Meu plano era ser uma caixa de ressonância e ter uma noção do que estava acontecendo, mas, quando me sentei com cada pessoa individualmente, fiquei maravilhado com o quanto estava aprendendo”, escreveu Iwata.
Shigesato Itoi, escritor, ator e criador da série de jogos EarthBound da Nintendo, fez comentários sobre o livro de Iwata em seu site pessoal e demonstrou profunda admiração.
“Nunca o vi culpar ninguém ou falar mal de ninguém”, disse Itoi, que conhecia Iwata havia 25 anos e diz que o amava como um irmão mais novo.
Em vez de grandes batalhas ao estilo de Hollywood, o Japão se destaca em sucessos de bilheteria mais pacíficos, como o Animal Crossing da Nintendo, disse Itoi. Ele comparou o jogo, que simula uma vida em aldeia, a crianças brincando de casinha.
“Não era exatamente algo que muitos especialistas na indústria de jogos esperassem que o mundo achasse divertido”, disse ele. “O que o Japão tem a oferecer ainda tem um grande potencial.”
Iwata procurou atrair pessoas que nunca tinham jogado videogame e aquelas que costumavam jogar, mas desistiram, disse Kensuke Yabe, professor da Escola de Estudos Globais da Universidade de Chukyo.
“Ele tinha instintos soberbamente bons sobre o que estava acontecendo lá fora. Para maximizar seu apelo, ele garantiu que os consoles da Nintendo fossem projetados para a sala de estar”, disse Yabe.
Quando o Wii foi lançado, Iwata insistiu que o controle fosse chamado de “remoto”, um termo mais familiar que evoca aparelhos de TV, em vez de “controlador”. Ele gostava de jogos para aprender inglês, para passear com o cachorro e para fazer comida.
“O videogame é interessante quando você pode se divertir simplesmente assistindo alguém jogar”, escreveu ele. (Tradução de Renato Prelorentzo)
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