Fiel aos ditames da literatura policial consagrada por Agatha Christie, com pistas falsas e todos os personagens comprometidos com o assassinato, A Lista de Convidados (Intrínseca) joga com as habilidades do leitor em costurar detalhes que apontam para o caminho certo. Escrito pela irlandesa Lucy Foley (autora também de A Última Festa), o livro apresenta uma escrita fluida, mesmo quando a autora alterna os pontos de vista e insere flashbacks, a fim de apresentar vestígios históricos dos personagens que possam incriminá-los, embaralhando ainda mais o quebra-cabeça. Sobre o livro, Lucy respondeu, por e-mail, às seguintes questões.
O ensaio do jantar, o discurso do padrinho, o corte do bolo – são tantos detalhes que dão a entender que você acompanhou vários casamentos para escrever o livro.
Estou com trinta e poucos anos, então já participei de muitos casamentos nos últimos anos, o que significa que parte da pesquisa para o livro foi muito fácil! Obviamente, todos foram ocasiões muito felizes (!). Mas ir a tantos casamentos proporcionou uma grande quantidade de inspiração para estruturar o livro em torno dos momentos-chave do casamento – e também me fez pensar sobre a maneira como eu poderia usar esses diferentes grupos de pessoas em um casamento: família, velhos e novos amigos, e outros mais.
Agatha Christie parece ser uma inspiração para sua obra literária. Que lições você pôde aprender com o trabalho dela?
Sim, é uma grande inspiração. Acredito que a maior lição que retiro de seu trabalho é traçar tudo meticulosamente – especialmente a ideia de que o livro deve ser como um quebra-cabeça e, uma vez descoberta a solução, se o leitor retomar a leitura, vai descobrir que as “ferramentas” para resolver o quebra-cabeça estavam lá o tempo todo. Não há desperdício na escrita de Agatha Christie, tudo tem um propósito – e isso me faz sempre lembrar para não escrever além da conta.
O livro alterna o ponto de vista de vários personagens. É mais difícil criar um enredo assim?
Sim, acho que é mais difícil, porque você tem várias narrativas distintas para acompanhar e é importante fazer com que as “vozes” se pareçam diferente umas das outras – muitas vezes, isso exige muitos rascunhos até chegar ao ponto certo. Mas, como autora, gosto deste processo, pois nunca fico entediada ao escrever, uma vez que posso pular da perspectiva de uma pessoa para outra e depois voltar.
O livro está ambientado no tempo presente, o que dá uma sensação de imediatismo, além de criar a sensação de que os eventos estão acontecendo em tempo real. Mas você também salta do passado para o presente e vice-versa. Qual era sua intenção com esse jogo de emoções?
Eu queria que o leitor entendesse totalmente esses personagens – o que, no passado, os tornou quem são agora, qual bagagem que trazem para os poucos dias na ilha. Com isso, busquei um senso de profundidade na história ao mesmo tempo em que os eventos se desenrolam no presente.
Você aliou à intriga a ameaça de uma tempestade que, de uma certa forma, também assumiu uma importância, certo?
A paisagem é muito importante na minha escrita e eu queria que a ilha e a própria tempestade parecessem personagens em si mesmas: a tempestade se aproxima como um convidado ameaçador, aquele tipo que está prestes a causar estragos em um dia cuidadosamente planejado.
Quão satisfeita você fica ao terminar um livro?
Como escritor, você sabe quando o livro termina, pois quaisquer outras alterações não o tornarão melhor. Sempre leio a versão impressa ou a digital em meu e-reader, para tentar imitar a experiência de um leitor, a fim de verificar se tudo flui e se estou certa de que fiz o que estava ao meu alcance. Mas é sempre uma experiência assustadora enviá-lo para o mundo, pois é uma história que só existiu dentro da sua cabeça até aquele momento.
Você acredita que existe uma relação profunda entre literatura de suspense e psicanálise, no sentido de que sempre há, em ambas, uma verdade oculta a ser desvelada?
Esse é um ponto muito interessante e acho que sim, provavelmente é o caso. Há a história superficial, o desenrolar dos eventos, e então, sob essa superfície, há um mundo oculto de significados que temos vislumbres durante a leitura, mas só realmente irrompe no clímax e na conclusão do romance.
O escritor italiano Leonardo Sciascia usou o suspense como veículo para falar sobre questões de identidade. O que você pensa sobre isso? O que mais você gosta nos thrillers?
O que me agrada em um thriller é que, embora na superfície tudo se trate de reviravolta e revelação, é também um formato extremamente versátil que pode ser usado para explorar todos os tipos de questões. É possível revelar as dores ocultas. Em A Lista de Convidados, exploro a misoginia, a dinâmica de poder entre homens e mulheres, direitos, a lacuna entre os que têm e os que não têm – na verdade, há muitos comentários sociais acontecendo por baixo das aparências. Mas, de forma mais simples, como leitora de suspense, estou completamente viciada na reviravolta – o choque e a maravilha daquele momento em que você percebe que está olhando para tudo de uma forma completamente errada. Também adoro a sensação de resolução – tão rara na vida real e nestes tempos incertos -, aquela satisfação de ter tudo resolvido para você no final.
Muitos escritores acreditam que o romance atual deve muito à literatura policial, que sempre manteve a necessidade de categorias muito claras: personagens, investigação, demanda, conclusão. Você concorda?
Sim – mesmo em formas mais vanguardistas, o enredo do romance é primordial, uma caracterização rica é crucial. Qualquer romance é realmente a resposta a uma pergunta, a resolução de um mistério – seja externo ou uma investigação interna do personagem. Esperamos, como leitor, que, ao fecharmos o livro, nos sentiremos mais iluminados do que quando começamos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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