O mercado, que por si só já é um nicho, se tornou ainda mais específico. Movidos por demissões, episódios de homofobia dentro da comunidade de colecionadores ou pela percepção do crescimento de mercado, colecionadores de vinil criaram três negócios voltados para o público LGBT.
“Eu gosto da cantora Gretchen, fiz uma postagem sobre ela em um grupo de pesquisa de vinil e fui rechaçado. Os moderadores e administradores nunca fizeram questão que o espaço fosse saudável. Já me chamaram de biba, chamavam uma amiga lésbica por um nome masculino. Daí nasceu a ideia para montar o grupo”, explica o publicitário Gabriel Bernini, que no ano passado criou, ao lado do amigo e sócio Guilherme Gonzaga, o Amigues do Vinil, grupo no Facebook com mais de 1.300 integrantes e, agora, também selo fonográfico.
O primeiro vinil produzido pela empresa foi o da cantora Flavia K, com 100 cópias vendidas para uma gravadora especializada em música brasileira no Japão, País que já estava comercializando os CDs da artista. Como o pagamento só vem após a entrega das cópias, eles aproveitaram uma rescisão de contrato que Gabriel recebeu ao ser demitido para pagar pela prensagem dos 250 discos que encomendaram.
Além das cópias enviadas ao Japão, a maior parte das vendas – feitas de forma virtual – foram para integrantes do grupo no Facebook. “Temos muitos LGBT e muitas mulheres no grupo. A nossa proposta é fazer um vinil mais acessível (R$ 105), mas acaba que o público tem um certo poder aquisitivo, porque o mundo está acabando e a gente está comprando vinil”, comenta Gabriel.
Por enquanto, a dupla ainda mantém outros empregos em paralelo, mas não escondem a vontade de fazer do negócio a sua principal renda. “Seria maravilhoso conseguir viver apenas com o lucro do selo, mas a gente sabe que é bem complicado, ainda mais agora na pandemia, com as fábricas demorando mais para entregar os discos (leia mais abaixo). A gente tenta fazer a pré-venda, mas o lucro demora para vir”, explica Guilherme.
Para o casal Leandro e Vinicius Pexe, viver do selo fonográfico já é uma realidade. Em 2018, Leandro – que é colecionador de vinis – criou a Bolachão Discos, como atividade paralela ao seu trabalho de decorador. No início, ele fazia curadoria de CDs e LPs usados, mas, na pandemia, reinventou o seu modelo de negócio.
“Antes da pandemia, eu já tinha encerrado a minha loja de decoração e decidido que a Bolachão seria o meu trabalho. Mas com o isolamento eu fiquei limitado. Recebia o pedido do cliente e não conseguia sair de casa para procurar os vinis em lojas e sebos. Então surgiu uma oportunidade de vender uma tiragem especial de 250 unidades do primeiro álbum da Pitty, que estava fora de catálogo”, explica Leandro.
Com o sucesso das vendas, em outubro de 2020 veio a ideia de transformar a Bolachão em um selo e fazer os próprios discos. De lá para cá, já foram lançados três álbuns inéditos, como Adriana Calcanhoto e Aline Wirley, e relançados outros cinco, como Xuxa, Rouge e Raimundos, todos pela primeira vez em LP. Durante esse tempo, Vinicius deixou um emprego na área financeira de uma multinacional para se dedicar exclusivamente ao negócio, ao lado do marido.
Hoje, o público da loja – que vende pelo site e pelo Instagram – tem entre 25 e 45 anos e é majoritariamente masculino, embora os sócios tenham percebido um aumento na quantidade de mulheres que colecionam vinis. A maior parte dos clientes, segundo eles, fazem parte do público LGBTI+.
“Existe um preconceito dentro do mundo do vinil. Você tem que ter um padrão de coleção, tal disco clássico. Se você coleciona só os mais baratos, é visto de forma ruim. Quando eu vendia usados, eu ia atrás de tudo, de Beatles a Angélica. Em alguns casos, só de eu falar que queria um da Xuxa, as pessoas já agiam com tom de chacota”, conta Leandro. “A gente aprende a se blindar, mas essas situações sempre aconteceram.”
A loja vende cerca de 500 discos por mês. O maior recorde de vendas, que chegou a esgotar, foi o relançamento do álbum Boas Notícias, da Xuxa, de 1997.
Foco em artistas internacionais
Além de cantores nacionais, o interesse de brasileiros por vinis internacionais – principalmente de cantoras do pop – foi percebido por Maxwell Prazeres. Colecionador de CDs, ele começou a procurar um novo lazer durante a pandemia e decidiu criar a loja virtual Music Collector.
“Eu sou designer, então eu mesmo fiz o site, já com sistema de pagamento integrado, meti as caras e fiz uma campanha de lançamento. O foco é nos produtos que o mercado nacional não tem. Eu trago itens de fora, que são mais difíceis de achar. São discos que, por causa das altas taxas de importação, muita gente não se arrisca a comprar. Eu importo com empresa especializada e revendo”, diz ele, que conta ter se animado com o setor quando viu os números do mercado norte-americano de vinis crescerem.
Em 2020, as vendas de LPs ultrapassaram as vendas de CDs nos Estados Unidos, pela primeira vez em 30 anos. Parece não significar muita coisa, já que são duas mídias físicas, cujo faturamento não chega perto das plataformas de música online: no primeiro semestre de 2020, foram gastos US$ 232 milhões em vinis nos EUA, enquanto a receita de streaming de música foi de US$ 4,8 bilhões, segundo a Associação Americana da Indústria de Gravação.
Mas o mercado de vinis tem sido respaldado por artistas, que têm incluído em suas estratégias de lançamento a produção de LPs. A cantora norte-americana Taylor Swift, por exemplo, lançou no ano passado oito versões diferentes em vinil (e CD) do seu álbum Folklore. Meses depois, ela lançou a versão em vinil de outro álbum, Evermore. O disco bateu recorde de melhor semana de vendas nos EUA. Em três dias, foram vendidas 40 mil unidades, superando o recorde anterior de 2014, do álbum Lazaretto, do cantor Jack White.
Taylor Swift é uma das artistas que são o foco da Music Collector, loja de Maxwell. No site, em meio a outras artistas pop, o destaque de vendas fica também com as cantoras Mariah Carey e Britney Spears, o que atrai a grande maioria do seu público, formado por pessoas LGBTI+. Quando criou a loja, Maxwell esperava vender cerca de 10 vinis por mês, mas hoje as vendas mensais giram em torno de 70 a 100 itens. Os valores são bastante variados: vão de R$ 129 a R$ 1.999.
“Além de pré-venda, eu compro uma quantidade maior e coloco no site a pronta-entrega. A partir do prazo de lançamento do produto fora do Brasil, eu tenho 90 dias para trazê-lo. Mas a pandemia atrasou tudo e as datas de lançamento dos álbuns mudam o tempo todo. O vinil passa a ser vendido meses depois do álbum. Outro ponto negativo é que eu estou em Salvador e a maior parte dos meus clientes estão no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que encarece o frete”, explica.
Prestes a completar um ano de negócio, Maxwell ainda trabalha, em paralelo, atendendo clientes como designer. “A loja ganhou proporções muito maiores do que eu imaginava. Tenho pensado muito em trabalhar só com ela, mas como é recente, ainda avalio com muita calma, mas tenho visto lojas surgindo e o mercado crescendo. Quem sabe daqui um ano”.
Como nasce um vinil
Produzir um LP é uma atividade de médio prazo. Além das questões burocráticas de assinatura de contratos, é preciso, primeiro, fazer a masterização do disco, que já existe em formato digital, para o analógico. Depois disso, ele vai para a prensagem na fábrica – no Brasil só existem duas, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Na hora de contratar o serviço de uma fábrica, há a opção de o disco já vir totalmente pronto: com encarte, capa e lacrado no plástico. Mas tanto os Amigues do Vinil quanto a Bolachão Discos optam apenas pela prensagem, por terem uma liberdade maior na parte gráfica. Nesse caso, a montagem dos álbuns e o empacotamento fica por conta dos próprios empreendedores.
O processo de prensagem, antes da pandemia, levava em torno de dois a três meses para ficar pronto e, no último ano, aumentou ainda mais e pode chegar a 11 meses, segundo os entrevistados.
“A gente tem trabalhado com a pré-venda, mas, com a pandemia, os prazos estão absurdos, o que é complicado porque você lança um produto e fala que só vai chegar no ano que vem. A gente tem esticado esse processo de pré-venda em cinco meses, mandamos fabricar os títulos e mais para a frente começamos a anunciá-los”, conta Leandro, da Bolachão Discos.
Além da pequena quantidade de fábricas de vinil no País, a demora tem algumas explicações. A pandemia trouxe uma série de questões na indústria, como a falta de insumo, as reduções de jornada e de funcionários e isso também afetou a cadeia produtiva dos vinis.
“Antes da pandemia, nossos prazos giravam em torno de 60 a 90 dias. Agora, estamos com prazos de 108 a 210 dias. Existem fábricas no mundo que já estão com prazo de um ano e outras que, por conta da pandemia e do aumento da procura, não estão atendendo pedidos mais. A gente está trabalhando com o material que a gente encontra, quando a gente encontra”, explica Michel Nath, que criou, em 2016, a Vinil Brasil, fábrica em São Paulo.
Para fazer os discos, Nath explica que é preciso materiais como plástico, produtos químicos e metais para galvanoplastia (processo de blindagem), papel e papelão. Hoje, a fábrica tem 20 funcionários e potencial para produzir entre 10 e 12 mil discos por mês.
“A nossa maior procura tem sido durante a pandemia. Nunca tivemos tanto cliente querendo fazer disco e gente requisitando orçamento. Estamos em um cenário em que nunca foi tão difícil manter o ritmo de produção. Quem aprova o pedido na fábrica agora só vai receber no começo do ano que vem”, conta.
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