Flori Antonio Tasca
Às vezes, quando duas crianças se desentendem, o comportamento de algum dos pais delas pode agravar uma situação que, de outra forma, caminharia para a reconciliação. Foi o que se verificou na Apelação Cível 47788-15.2014.8.21.7000, apreciada pela 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A matéria foi julgada no dia 29.05.2014, tendo como relator o desembargador Paulo Ribeiro Lessa Franz.
O caso iniciou com o desentendimento de duas crianças de 10 anos na frente da casa de uma delas. Alegou-se que uma agrediu a outra com uma pedrada, a qual atingiu o seu rosto. Embora a lesão no rosto tenha se mostrado incontroversa, não ficou claro se ela teve como origem realmente o arremesso de uma pedra ou se foi consequência de uma queda de escada, conforme a própria vítima parecia sugerir. Ressalta-se que as crianças eram, além de colegas de sala de aula, amigas, a ponto de uma ir à casa da outra.
A mãe da aluna que teria cometido a agressão agiu no sentido de apaziguar os ânimos dos envolvidos, pedindo desculpas pela atitude da filha e se colocando à disposição para o que fosse necessário, com o que os pais da vítima pareceram concordar, num primeiro momento. Entretanto, no dia seguinte, na frente de pais, alunos e funcionários da escola das crianças, a mãe da aluna atingida agrediu verbalmente a outra menina e a sua avó, chegando ao ponto de puxar os cabelos da criança, só parando porque foi contida.
A partir de então, iniciou-se uma pendência que chegou ao Judiciário. A mãe da criança atingida alegou que sua filha vinha sofrendo perseguições e agressões por parte da outra e que a escola nada havia feito para impedir tal comportamento. Entretanto, o episódio de conflito entre as duas foi visto como algo isolado, pois não se tinha notícias de que elas haviam se desentendido anteriormente. Portanto, não se podia cogitar de bullying.
Inclusive, consta até que as duas continuaram a brincar e a participar normalmente das atividades escolares. Uma professora alegou não ter observado qualquer alteração no comportamento das duas após o episódio, de maneira que a escola não viu necessidade de tomar mais nenhuma medida. Ou seja, tudo levava a crer que o incidente entre as crianças tomou maiores proporções apenas em função da postura de uma das mães.
Percebe-se, do conjunto de provas, que em diversas oportunidades se tentou resolver o litígio com o auxílio dos pais, da escola e do Conselho Tutelar, mas que ele era sempre retomado pela mãe da aluna lesionada. A mãe se defendia da agressão que ela mesma havia cometido contra a outra menina sob o argumento de que era “justificável diante do contexto”. Mas, como a magistrada de primeira instância observou, os infortúnios que a sua filha havia sofrido em razão do desentendimento se tornavam até irrelevantes diante da reprimenda pública que a outra sofreu, chegando a ser submetida a agressões físicas.
Ademais, em relação ao episódio da suposta pedrada, este ocorreu, como dito, em frente à casa de uma das crianças e, portanto, fora das dependências da escola, de maneira que ela, ou o Estado, posto que escola pública, não podiam se responsabilizar pelo ocorrido e nem ser acusados de negligência. Igualmente, não se poderia responsabilizar a outra criança por uma lesão cuja verdadeira origem sequer chegou a ser demonstrada.
Não se nega que tenha havido o desentendimento entre as crianças, mas eles não teriam gerado danos na esfera moral. Assim entenderam tanto o magistrado em primeira instância como o relator da apelação e os demais magistrados daquele órgão julgador colegiado. Não coube, então, outro destino à demanda que não fosse o de ser considerada improcedente.
Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, fa.tasca@tascaadvogados.adv.br