Aline Vezoli
*Sob supervisão de Mariana Salles
Ser mãe de UTI é uma tarefa árdua. Ver o filho através de um acrílico, cheio de fios ligados ao seu corpo e realizando exames diários é extremamente agonizante e enche qualquer puerpéria de medo do que pode acontecer no segundo seguinte. Ao mesmo tempo saber que o filho está ali, vivo, sob cuidados de especialistas e respirando, faz com que cada dia seja uma conquista para quem espera a oportunidade de ter a criança, tão frágil e ao mesmo tempo tão forte, nos braços.
Essa é a rotina das mães de UTI, que precisam enfrentar essa difícil tarefa logo após o nascimento do filho. Esses bebês — muitos deles, por alguma intercorrência, precisaram nascer antes da hora ou chegaram de surpresa — são delicados e lutam pela sobrevivência, mas junto com eles existe uma mãe guerreira, capaz de demonstrar força em seus piores momentos para estar ao lado do filho. Outras enfrentam essa angustia em momentos diferentes da vida, já com filhos mais velhos, e ainda assim sofrem, sentem essa dor e convivem com a incerteza, mas acima de tudo nunca perdem a esperança.
Mães precisam esperar para ter o filho nos braços
Passar a maior parte do tempo na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Policlínica se tornou a realidade da Vanessa Ecker, quando o filho, Sandro Theodoro Teixeira, nasceu no dia 22 de abril desse ano, na 28ª semana de gestação. Com o bebê internado desde então, ela passou a viver em um local cedido pelo hospital para as mães que estão com seus filhos na UTI e não podem sair desse espaço devido a pandemia.
A jovem conta que a gestação estava seguindo sem intercorrências e que o parto extremamente prematuro foi um susto para todos. “Tive uma infecção dentro da placenta, os médicos seguraram por 24 horas, mas não teve jeito, foi preciso fazer uma cesárea para ele nascer”. Com o nascimento precoce, Sandro veio ao mundo pesando apenas 1,150 quilo e requer cuidados intensivos, fazendo com que a mãe pudesse pegar ele no colo apenas oito dias após o nascimento.
A rotina de Vanessa se tornou cansativa. Conforme ela conta, ficar o dia todo dentro do hospital é esgotante para as mães, pois passam o tempo todo à espera de ir até a UTI a cada três horas para ver, pegar no colo, amamentar. “Minha vontade era passar o dia todo com ele, mas infelizmente não é possível, e eu entendo que é para o bem dele”, comenta.
A mãe cita a fé como companheira nesse período, pois precisa acreditar e confiar para que todos os dias seu filho fique bem e que nenhum problema aconteça. “Preciso sempre manter a calma e confiar nos profissionais. Eu entendi que preciso estar forte para vê-lo e, se eu estiver mal, ele vai ficar mal também. Procuro não chorar na frente dele e sempre tento passar energia positiva. Ele é um guerreiro, vamos vencer essa situação”, afirma.
Dia das Mães no hospital
Vanessa precisará passar o seu primeiro Dia das Mães acompanhando o filho na UTI, mas isso não a abala, pois sabe que é algo necessário e está disposta a enfrentar para ter o menino saudável em seus braços. Para ela, cada visita feita é emocionante. “O coração acelera toda vez que vou até a UTI. Esse Dia das Mães não será como planejei, mas vai ser o melhor e mais inesquecível, pois estaremos comemorando a vida dele”.
Para todas as mães que estão enfrentando algo parecido ou em algum momento da vida passarão por isso, a jovem pede que tenham confiança, que mesmo nos momentos de desespero tenham fé para estar dispostas e transmitir coisas boas para o filho, que tanto necessita. “É preciso se apegar a Deus e ter fé que tudo vai ficar bem”, comenta.
Mistura de medo e felicidade definem o período de espera
A mãe afirma ter ficado em estado de choque quando soube que teria seu filho tão cedo, e hoje sente receio de que ele passe por alguma intercorrência. “Dói muito passar por essa situação, mas sei que preciso ser forte por ele. Cada grama que ele ganha é uma vitória. Nunca vou esquecer a felicidade de pegá-lo no colo a primeira vez, cada dia é motivo de comemoração”, conclui.
O que deixa Vanessa mais tranquila para deixar Sandro é a confiança que tem na equipe da UTI. “São anjos que Deus colocou na minha vida”, diz. E conclui afirmando que reza sempre para que todos esses profissionais tenham sabedoria para agir na hora certa para atender as necessidades dele. “Preciso acreditar, pois não sei quando teremos alta e não tenho pressa, fico aqui o tempo necessário para a recuperação do meu filho”, finaliza.
Confiança na equipe médica
A fisioterapeuta Juciane Cardoso Fávero nunca imaginou que enfrentaria um desafio tão grande em sua vida. Após passar uma gestação tranquila e conviver com a filha, Rafaela Cardoso Fávero, por nove meses, precisou enfrentar a angustia de vê-la internada na UTI por sete dias.
Juciane conta que, graças competência da equipe médica que a atendeu, Rafaela, que estava com pneumonia, conseguiu superar o momento. “Os médicos acreditam que ela teve bronco aspiração, quando comprometeu 80% dos pulmões e ficou sete dias na UTI, nos primeiros cinco dias com oxigênio”.
Espera para a visita
Enquanto Rafaela estava sedada, a mãe acompanhou a criança através de vídeo chamada realizada pela psicóloga da UTI, e descreve o momento como alívio em comprovar que a filha continuava ali. Depois que a menina acordou, ainda foi preciso realizar o teste de covid-19 e aguardar o resultado para poder visitá-la.
“Após minha filha sair da sedação, fiquei com ela o tempo todo. É uma mistura de medo, angústia e esperança. Cada bip do monitor gera uma cascata de emoções”, descreve a mãe sobre os dias que passou no local.
Para vencer esse período, Juciane conta que precisou ter muita fé e paciência. Hoje ela comemora a vitória de Rafaela, que está com dez meses, e afirma que passar o dia das mães ao lado da filha após toda essa batalha é o melhor presente do mundo. “Deus opera milagres. Hoje estou imensamente grata e feliz por sua cura e por poder comemorar ao lado da Rafaela”
Rotina de UTI
O dia a dia das mães de UTI é dentro do hospital. Devido à pandemia, foi separado um alojamento com cama, banheiro e cozinha equipada. Segundo a coordenadora de enfermagem da UTI Neonatal e Pediátrica do Hospital Policlínica, Vanessa de Lima, foi necessário incluir esse alojamento para proteger as mães e os filhos que estão internados de se contaminarem com a covid-19.
“As mães que amamentam entram a cada 3 horas na UTI, passam o tempo em modo de espera e descansam pouco. Era diferente antes da pandemia, quando podiam sair nos intervalos e se distrair. Hoje até as visitas dos pais são feitas apenas virtualmente, e as mães precisam deixar a família e se dedicar exclusivamente ao filho que está internado”, comenta a coordenadora.
Para aquelas que precisam sair por algum motivo, é necessário realizar o teste de covid-19 antes de adentrar no ambiente hospitalar novamente. “Acompanhei casos de mães que ficaram um ano conosco e posso contar nos dedos os dias em que foram para casa”, afirma.
Ajuda psicológica
Durante a estadia do filho na UTI, a equipe do hospital disponibiliza apoio psicológico para ajudar essas mães a lidar com o momento delicado. Vanessa conta que algumas se sentem culpadas, “mas na verdade são mulheres muito fortes e guerreiras”.
O acompanhamento psicológico acontece de segunda a sexta-feira, e ações são realizadas para aliviar a angustia dessas pessoas. Durante a pandemia, quando o contato físico ficou escasso e não são permitidas visitas de outras pessoas, a solução foi realizar visitas virtuais com os familiares. “A visita virtual traz apoio muito grande e gera conforto para a família”, diz a coordenadora.
A equipe responsável por atender os pacientes e as mães que os acompanham entendem que, por se tratar de crianças, não podem ser rígidos. Por isso a enfermeira destaca que, nos casos dos pequenos que não querem se separar da mãe após o horário estipulado, acabam cedendo um tempo a mais para poder acalmá-los. “A mãe está deixando em nossas mãos seu bem mais precioso, é necessária muita confiança. Acabamos criando um vínculo com elas também”, comenta.
Renovação e esperança
Segundo a coordenadora Vanessa, a visão que todos têm, de que a UTI é um lugar ruim, está errada, pois é ali onde está a esperança de viver. “Trabalhamos com as mães a esperança. São mulheres sensacionais, até criamos um projeto para ouvir os relatos”, cita.
Nesse projeto, a equipe da UTI se reúne com as mães para esclarecer as dúvidas, falar sobre os tratamentos e abrir um espaço para ouvir o que elas têm a falar ou o que estão sentindo sobre os acontecimentos. “É muito difícil para essas mães planejar uma gestação e ter ela interrompida antes do tempo, seguindo de tantas incertezas sobre o filho. É assustador para qualquer mãe, com filho em qualquer idade, pensar que precisará passar por isso algum dia. Por isso é importante oferecer uma rede de apoio”, finaliza a profissional.
Apoio da equipe
Durante a permanência no hospital, os profissionais da saúde se tornam rede de apoio das mães que esperam e, distantes da família e amigos, buscam ajuda da equipe para passar pelo período de turbulência.
Segundo a psicóloga do Hospital Policlínica, Débora Baldissera, os profissionais que estão atuando na UTI escolhem fazer a diferença na vida dessas pessoas, pois durante a gestação a mãe e família constroem planos para o bebê, e a necessidade de permanência na UTI causa uma ruptura, “promovendo um desiquilíbrio no núcleo familiar”.
Devido aos desafios que as mães enfrentam sozinhas diariamente, a equipe se torna muito sensível e “preza por manter o vínculo com os pacientes, para minimizar a angustia”, afirma Débora.
Segundo a psicóloga, a relação da mãe e bebê é extremamente importante, um papel único e insubstituível, por isso valorizamos e buscamos sempre oferecer o acolhimento necessário. “Nenhuma mãe está preparada para ser mãe em uma UTI, por isso estamos sempre ao lado delas”, finaliza.