Outros 57 países (46%), incluindo o Brasil, adotam cotas para as candidaturas, ou seja, do total de postulantes aos cargos, as mulheres devem representar parcela mínima. Apenas 39 países (31,5%) não preveem cotas femininas nem em sua constituição e nem em leis eleitorais.
Apesar de algumas nações implantarem ações afirmativas apenas para as candidaturas, isso pode se traduzir em reserva de vagas femininas, na prática, quando o sistema eleitoral é o voto em lista fechada, e o eleitor não escolhe um candidato específico, mas a lista preestabelecida do partido. São eleitos os primeiros colocados de acordo com o número de vagas que o partido conquista na eleição. Ao menos cinco países da América Latina – Argentina, Nicarágua, Costa Rica, Guiana e El Salvador – preveem apenas cotas de candidaturas femininas. Mas, como as mulheres constam nas listas, intercaladas entre os homens, isso garante a presença feminina nos parlamentos.
Algumas nações, como Argentina e Bélgica, proíbem explicitamente que as mulheres sejam concentradas no pé da lista, com poucas chances de eleição.
Considerando apenas as câmaras altas de sistemas bicamerais – ou seja, os Senados -, os países que adotam cotas passam a ser minoritários. Há mais oito plenários com cadeiras reservadas para mulheres. Em outros 15 países, incluindo o Brasil, só há cotas para candidaturas femininas ao senado. E 31 não têm nenhum tipo de previsão.
Incentivos
Existem diversos modelos de cotas de gênero mundo afora, mas elas costumam girar em torno de três variáveis: se as cotas são compulsórias ou voluntárias (a critério dos partidos, que podem receber incentivos), se elas valem para as candidaturas ou para as cadeiras e se existem ou não penalidades graves no caso de descumprimento.
Diversos estudos internacionais mostram que a adoção de cotas funciona, ajudando a aumentar a representatividade feminina. “A introdução de cotas tem ajudado (países) a superar restrições de representatividade feminina oriundas de subdesenvolvimento econômico, influências culturais e até sistemas eleitorais”, escreveram as pesquisadoras Aili Mari Tripp e Alice Kang, da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, em estudo sobre o tema.
O desempenho do sistema de cotas em candidaturas adotado pelo Brasil vem fazendo com que muitos especialistas na área defendam a migração para o sistema de reserva de vagas.
“Nós estamos batalhando por reserva de cadeiras até que a gente atinja a igualdade. O nosso sistema de cotas atual é muito importante, mas ele não vem surtindo o efeito que nós desejávamos. Ele foi implantado há muitos anos (em 2009) e, ainda assim, a subrepresentatividade continua muito alta”, afirmou a promotora de São Paulo Vera Taberti, que atuou por muitos anos no combate a fraudes envolvendo candidaturas femininas.
Ela afirma que a reserva de cadeiras iria ajudar a solucionar fraudes relacionadas a candidaturas laranjas e à não aplicação de 30% do fundo partidário em candidatas mulheres, já que seria de interesse dos partidos encontrar candidatas viáveis e investir nelas. “Atualmente, os partidos lançam algumas mulheres sem a menor chance de êxito. Eles querem preencher 30%, sem se preocupar com a qualidade, quando há excelentes mulheres que seriam excelentes mandatárias”, argumentou.
O movimento Vote Nelas, que busca igualdade de gênero na política, também defende a reserva de cadeiras para candidatas. “O Vote Nelas surgiu em 2018 quando olhamos uma planilha que mostrava que o número de candidatas havia aumentado, mas que o número de eleitas não aumentou na mesma proporção. Mais do que votar, queremos ser votadas. E mais do que ser votadas, queremos ser eleitas”, explicou ao Estadão Duda Alcantara, co-fundadora do grupo.
A professora Luciana de Oliveira Ramos, da FGV Direito de São Paulo, concorda que as cotas de candidaturas vem sendo pouco efetivas no Brasil, seja por questões partidárias, seja por questões financeiras. “Mas a cota foi muito importante para colocar a questão da proporção de financiamento e de candidaturas negras”, argumentou.
Resultados do Brasil estão abaixo da média
Apesar de ganhos desde a implementação de cotas para candidaturas femininas, o Brasil ocupa uma das piores posições no mundo em matéria de participação de mulheres em Casas Legislativas. De acordo com a edição do ranking da União Inter-Parlamentar (IPU) publicada após as eleições gerais de 2018, o Brasil estava na 133ª colocação, de um total de 193 países.
Segundo o relatório final elaborado pelo departamento de Direito da FGV de São Paulo sobre representação nas eleições de 2018, o Brasil e o Paraguai tinham a maior disparidade de gênero das Américas, considerando apenas as câmaras baixas. A FGV usou números do IPU. A média de participação feminina das Américas é de 30,3%.
Na esfera municipal, a representatividade feminina no Brasil não ultrapassa 16% dos eleitos, considerando vereadores e chefes do executivo. No primeiro turno de 2020, foram eleitas 651 prefeitas (12,1%), contra 4.750 prefeitos (87,9%). No segundo turno, apenas 7 dos 57 mandatários eleitos eram mulheres. Já para as câmaras municipais, foram 9.196 vereadoras eleitas (16%), contra 48.265 vereadores (84%), de acordo com dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral em novembro. Naquele ano, as mulheres representavam 51,8% da população e 52% do eleitorado brasileiro.
Na esfera estadual, o número de mulheres eleitas em 2018 para as Assembleias Legislativas foi 161 (15,2%), ante 898 homens (84,8%). Na esfera federal, foram eleitas naquele ano 77 deputadas mulheres (15%) de um total de 513 membros da Câmara e 7 senadoras (13%) de um total de 54 vagas em disputa no Senado.
Benefícios
Pesquisas também demonstraram que a eleição de mais mulheres tende a trazer benefícios imediatos para pautas pediátricas e para a saúde de crianças em países subdesenvolvidos.
De acordo com estudo publicado pelo professor Liam Swiss, chefe do departamento de sociologia da Universidade Memorial de Terra Nova, no Canadá, o aumento da representatividade feminina leva a uma melhora na trajetória de desenvolvimento de um país. Ao lado de Kathleen Fallon e Giovani Burgos, da Universidade McGill, ele analisou os dados de 102 países entre os anos de 1980 a 2005.
“Comparado a países com nenhuma mulher em seus parlamentos, nações que atingiram 20% de representatividade feminina apresentaram maior imunização contra rubéola, maior aplicação da vacina tríplice e maior taxa de sobrevivência de crianças. A saúde na infância aumenta na maioria das nações em desvantagem econômica”, escreveu Swiss.
Estudos do Instituto Georgetown para Mulheres também mostram que a adoção de cotas femininas está relacionada ao aumento do acesso de mulheres à Justiça.
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