O parâmetro para a estimativa da Prefeitura é um censo realizado em 2019 pela empresa Qualitest Ciência e Tecnologia Ltda, que contabilizou 24.344 pessoas em situação de rua em São Paulo. Por se tratar de uma população itinerante, no entanto, é difícil estimar uma porcentagem exata.
Para o articulador de ações do movimento Rede Rua e conselheiro no Comitê PopRua, Alderon Costa, esse número pode ter aumentado nos últimos anos. Um indicativo disso, diz, é o fato de que a quantidade de pessoas em situação de rua no Cadastro Único do governo já ultrapassa os 30 mil. Fosse esse o parâmetro, cerca de metade dessa população teria sido completamente vacinada.
O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, enxerga de outra forma. Ele conta que, pelo que acompanha dos Consultórios na Rua, a estimativa é que grande parte da população de rua que está em trânsito na capital paulista já foi vacinada.
“A população de rua de São Paulo está com um índice de vacinação bem maior do que a população geral, justamente por causa da busca ativa feita pelas equipes de saúde”, diz. Nas últimas semanas, reforça Lancellotti, o processo de imunização completa foi ainda mais acelerado, já que a Prefeitura destinou cerca de 14 mil doses do imunizante da Janssen para pessoas em situação de rua.
A iniciativa foi comemorada por entidades como o Movimento Estadual da População em Situação de Rua de SP (MEPSRSP), que realizou na manhã do último dia 12 um evento de vacinação contra a covid na sede do movimento, localizada na região central de São Paulo. Foram distribuídos 89 kits para quem se vacinou no local. “Algumas pessoas começaram resistentes, mas foi bem bacana”, conta o presidente da entidade, Robson Mendonça. Segundo ele, uma das maiores dificuldades foi explicar aos interessados que, mesmo que acabassem bebendo álcool depois que fossem imunizados, isso não geraria maiores complicações de saúde.
Para quem se dispôs a se vacinar, o procedimento foi simples: uma equipe da Prefeitura de São Paulo foi à sede do movimento e, por meio de um computador disponibilizado pelo MEPSRSP, consultou se as pessoas que estavam na fila já tinham recebido atendimento no Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e na rede do SUS (Sistema Único de Saúde). Já ter tomado algum imunizante, por exemplo, era um critério eliminatório.
Aqueles que passaram na triagem foram vacinados com o imunizante da Janssen na própria sede e levaram um entre os três kits disponíveis: um destinado a homens, outro a mulheres em geral e um terceiro a mulheres com crianças pequenas. Segundo Mendonça, o evento foi considerado um sucesso e deve ter uma nova edição, mas ainda não há data definida.
Outro movimento da capital, a Rede Rua já havia promovido, nos dias 15 e 22 de junho, dois eventos para auxiliar na vacinação de pessoas em situação de rua. Em cada ocasião, foram vacinadas, respectivamente, 55 e 48 pessoas, também com o imunizante da Janssen. A vacinação funcionou como uma espécie de sobremesa, já que o evento foi montado no Sindicato dos Bancários de São Paulo, local onde a Rede Rua distribui almoço diariamente, e buscou atrair pessoas após as refeições. Como é um local onde a população de rua frequenta e já conhece, acabou dando certo.
“O contato com o Consultório na Rua é super bom, é um projeto que fez a diferença na pandemia”, explica Alderon Costa. Segundo ele, foi essa abertura do poder público que permitiu que os eventos de vacinação fossem agendados nas entidades. Ele critica, por outro lado, que a vacinação das pessoas que trabalham diretamente com a população de rua e que não têm convênio com a Prefeitura não foi priorizada, o que teria sido importante.
Coordenado por Darcy Costa, o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) busca se ater justamente a ações que atendem reivindicações como essas. A iniciativa de destinar parte dos imunizantes da Janssen para a população de rua, por exemplo, partiu em resposta a pedidos feitos por grupos como o MNPR. “O movimento tem feito várias articulações junto ao Conselho Nacional de Saúde, Defensoria Pública e Executivo”, explica. Não à toa, o MNPR já foi citado inclusive na nota técnica 768/2021 do Ministério da Saúde, que orienta sobre a vacinação para a população de rua.
Darcy destaca que o grupo já teve algumas conquistas, mas ainda há mais para reivindicar. Para ele, mesmo que boa parcela dos imunizantes da Janssen tenham sido destinados à população de rua, atendendo a pedidos por um imunizante de dose única para grupos itinerantes, ainda não há uma campanha específica que instrua sobre a importância de se vacinar. E isso acaba sendo uma lacuna.
“Eu acho que algo que é importante neste momento é que a Prefeitura faça uma campanha direcionada para a população de rua incentivando as pessoas a irem se vacinar”, diz o articulador. “É um direito que eles conquistaram. Às vezes, a pessoa vai na UBS e pode encontrar resistência. Muitas vezes, se a pessoa toma um banho, já acham que não pode ser classificada como pessoa em situação de rua.”
Para o padre Júlio Lancellotti, o momento para fazer uma campanha do tipo já passou. “Diariamente, de todos que eu encontro, poucos ainda não estão vacinados”, diz, ressaltando que a vacinação da população de rua está avançada na capital. “Mesmo os que não estão imunizados, a gente vai orientando para irem a uma UBS (Unidade Básica de Saúde)”, complementa. Segundo a Prefeitura, um comprovante de residência não é exigido nesses casos. “Basta que o cidadão se dirija a uma das 468 UBSs e explique que está em situação de rua”, informou a pasta.
Lancellotti reforça ainda que a maioria das pessoas em situação de rua com as quais tem contato entende a importância de se imunizar, já que é um assunto que vem sendo conversado entre eles desde antes de as vacinas chegarem. Ainda assim, há também algumas exceções. “A população de rua reproduz o que tem na sociedade em geral. Tem negacionista, terraplanista Eles pensam como todo mundo pensa.”
Uma dificuldade já prevista, complementa, foi fazer com que quem tinha tomado a primeira dose voltasse para completar a imunização. “Tem alguns que eu carreguei pela mão para voltar para vacinar”, diz. Ainda com casos como esse, ele considera que a busca ativa, feita por profissionais de saúde, foi bem sucedida em geral. “No início, esperava-se que a população de rua fosse dizimada, por não ter acesso a água potável, máscaras resistentes ou álcool em gel. Mas não foi isso que aconteceu.”
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