O Volp é o registro oficial de todas as palavras da língua portuguesa e de sua grafia. Essa é a sua primeira atualização oficial em 12 anos. Com as novas entradas, o vocabulário tem agora 382 mil verbetes. A edição de 2009 estava mais voltada a estabelecer a grafia das palavras após o Acordo Ortográfico. A atualização revela o dinamismo da língua. Também mostra as novas relações políticas e a importância da pauta identitária.
“Nos últimos anos houve uma aproximação dos países, não só em termos político, social e econômico, mas também por conta da pandemia”, explicou o filólogo Evanildo Bechara, coordenador da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL, responsável pela elaboração do Volp. “Essa aproximação abriu a porta para um acréscimo de palavras, em grande parte da língua inglesa, mas também de países menores, como Camarões, com a ‘necropolítica’.”
O peculiar momento político que vivemos, no Brasil e em várias partes do mundo, trouxe para nossa língua novas palavras. São vocábulos como negacionismo, pós-verdade, necropolítica – expressão cunhada pelo filósofo e escritor camaronês Achille Mbembe. Das pautas identitárias, cada vez mais presentes, vieram feminicídio, afrofuturismo, sororidade, homoparental, gordofobia. O meio digital nos legou criptomoeda e ciberataque. Estão todas no novo vocabulário ortográfico da ABL.
Desde a publicação da quinta edição, em 2009, a equipe de Bechara reuniu novos vocábulos. Colheu-os em textos literários, científicos e também jornalísticos. Houve ainda sugestões enviadas por usuários do Volp. O gramático explicou que não basta uma nova palavra surgir para ser incorporada oficialmente ao vocabulário. Ela precisa ganhar consistência na língua, ser usada e compreendida.
Mudanças sociais
O cientista político Christian Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lembrou que a sociedade é pautada pela cultura. “Essa cultura varia ao longo do tempo; mudam os juízos de valor, surgem modificações tecnológicas, mudanças morais. A língua faz parte da cultura e tende a acompanhar essas variações.”
Alguns períodos da história, no entanto, são mais convulsionados, como este em que vivemos. “Existem períodos de maior estabilidade, quando há menor surgimento de palavras novas”, disse Lynch. “Certos períodos apresentam mudanças muito bruscas e, frequentemente, não existem palavras para descrever todas as coisas novas; é preciso criar novas palavras, importar ou ressignificar palavras antigas. Foi assim, por exemplo, no fim da 1.ª Guerra Mundial e também no fim dos anos 80, com o começo do fenômeno da globalização.”
Luiz Ricardo Leitão, professor associado da UERJ e autor de Gramática Crítica: o Culto e o Coloquial no Português Brasileiro, concorda com o colega. “Causou estranheza a demora na atualização”, observou Leitão. “São 12 anos nesse período tão alucinado da pós-modernidade periférica, muita coisa aconteceu. Somos um país neocolonial, que depende tecnologicamente do exterior e é seduzido pelo estrangeiro.”
Para além das mudanças políticas, apontou Lynch, vivemos uma transição de um modelo de sociedade industrial para uma pós-industrial, uma mudança estrutural muito profunda. “É um período complicado de mudança, estamos mudando um modelo que durou mais de 200 anos”, disse. “Temos, então, uma crise geral, uma mudança social e econômica que cria uma crise política. Vivemos agora uma ressaca da globalização, com o retorno de uma onda conservadora, mais nacionalista, de um lado; e, de outro, um aprofundamento de certos aspectos da globalização. Essa mudança vem acompanhada também de uma mudança no vocabulário social, político, econômico, comunicacional.” O novo vocabulário pode ser consultado no site da ABL. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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