A malhação de Judas é uma tradição que mistura fé, cultura e história, marcando o período da Semana Santa com uma prática que transcende a simples reencenação bíblica para se firmar como um evento cultural profundamente enraizado em diversas partes do mundo, especialmente no Brasil, Portugal e outros países latino-americanos e europeus. Originada da Península Ibérica, essa tradição chegou ao Brasil durante a época colonial, onde se adaptou e evoluiu, incorporando elementos locais e refletindo as complexidades sociais das comunidades que a praticam.
A malhação consiste em criar e depois destruir bonecos que representam Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus Cristo, segundo o relato bíblico. A prática não é reconhecida oficialmente pela liturgia católica, mas é um rito popular que acontece entre a Sexta-Feira Santa e o Sábado de Aleluia, marcando um momento de reflexão sobre a traição e suas consequências.
O ato de criar bonecos, que são pendurados em postes e muitas vezes queimados, serve como uma manifestação simbólica do repúdio à traição de Judas, mas também tem sido interpretado como uma forma de expurgar os males e os aspectos negativos da comunidade, sendo o boneco muitas vezes um receptáculo de críticas sociais, políticas e até humorísticas.
Historicamente, essa prática foi documentada por observadores estrangeiros, como Jean-Baptiste Debret, e mencionada na literatura nacional, exemplificada pela obra de Martins Pena, ilustrando sua importância cultural e social desde os primórdios da sociedade brasileira. A repressão e a marginalização dessa tradição não impediram sua continuidade, mas sim contribuíram para sua evolução e adaptação, permitindo que ela sobrevivesse e florescesse em contextos locais específicos.
A pesquisa da antropóloga Andreia Regina Moura Mendes da UFRN, expande a compreensão da malhação de Judas, destacando a complexidade de seus significados dentro da cultura brasileira. O Judas malhado pode simbolizar não apenas a figura bíblica do traidor, mas também o mal em suas diversas formas, ou até mesmo personagens contemporâneos considerados traidores ou malfeitores pela comunidade. A associação da prática com os rituais da Inquisição portuguesa evidencia suas raízes históricas e a influência das tradições europeias sobre as manifestações culturais brasileiras.
Assim, a malhação de Judas representa um rico tapeçário de crenças, histórias e expressões culturais, refletindo a maneira como a sociedade lida com conceitos de traição, justiça e redenção, ao mesmo tempo em que permite um espaço para a expressão coletiva de descontentamentos sociais e políticos.
Comentários estão fechados.