Campeão paulista do ano passado e detentor dos títulos da Libertadores e da Copa do Brasil, o Palmeiras pagou caro pela temporada vitoriosa de 2020. De janeiro até agora, a equipe de Abel Ferreira completou 45 exibições contra o Flamengo, domingo, pela primeira rodada do Campeonato Brasileiro. Finalista da Recopa Sul-Americana, da Supercopa do Brasil e do Paulistão, os palmeirenses perderam as três decisões. Campeão estadual após um jejum de quase 16 anos, o São Paulo, no mesmo período, fez 11 confrontos a menos que o rival até aqui.
Quem mais chegou perto do Palmeiras nesta maratona foi o Bahia: 43 jogos disputados desde o início de janeiro. Se a equipe caiu nas semifinais do Campeonato Baiano nesta temporada, a compensação veio com a conquista da Copa do Nordeste diante do Ceará. Foram também jogos mais intensos do que o normal por se tratar de decisões.
Com as 38 rodadas do Campeonato Brasileiro que começou no fim de semana, além de mais duas partidas pela próxima fase da Copa do Brasil, a equipe baiana já tem assegurados 82 compromissos até dezembro. No caso de o time avançar nas próximas fases do torneio eliminatório, esse número sobe ainda mais. A média das temporadas tem sido de 65 a 70 partidas.
PROBLEMAS COM A MARATONA – De acordo com Cíntia Cristina Martignago, doutora em fisioterapia e analista de pesquisa da IBRAMED, o efeito que a sequência de partidas pode causar no organismo e os traumas a que os atletas estão sujeitos nas disputas em campo são dois pontos que precisam ser observados. Há o desgaste físico, mas também mental, de uma rotina estafante com viagens, treinos, hotéis, preleções e jogos. Há ainda a distância da família e do próprio descanso.
“O excesso de exercício faz com que o rendimento do atleta diminua. Isso acontece porque é durante o descanso que o músculo se recupera do treino e cresce. Sem a pausa necessária, isso não é possível. Já sobre as contusões, podemos dizer que existem duas categorias: as agudas e as crônicas. Uma lesão aguda é aquela que ocorre durante a prática como fraturas, entorses ou luxações. Enquanto a lesão crônica é o resultado de excessos repetitivos ou incômodos de longa data, como as causadas por estresse, tendinopatias e bursites”, explica.
Além do descanso, a alimentação também entra como fator preponderante para atenuar o desgaste da sequência avassaladora, como foi o caso do Paulistão após a retomada dos jogos por causa da pandemia da covid-19.
Para Rogério Oliveira, nutricionista especializado em performance, é necessário boa alimentação para potencializar a capacidade física nos jogos. “Correr exige muita energia e comer corretamente fará com que o atleta tenha mais desempenho em campo e menos lesões. Via de regra, investimos em carboidratos de boa qualidade e rápida absorção antes do jogo. Mas existem também algumas estratégias como consumo reduzido de carboidratos e maior ingestão de gorduras boas. Elas têm como objetivo potencializar e otimizar a gordura durante o jogo, o que diminui o consumo de glicogênio, que é a reserva energética do músculo”, afirma.
E até mesmo a parte emocional pode ter uma relação direta com a saúde do jogador. Esse problema é ainda maior em atletas que trabalham com alto rendimento onde a cobrança por resultados é muito grande.
“A ansiedade causada pelo estresse, que acontece muito quando se trata de futebol, libera cortisol e adrenalina. Isso faz com que o corpo produza o ácido do suco gástrico em excesso e acaba diminuindo uma camada de proteção que temos no estômago. A alta acidez deixa todo o sistema digestivo irritado, causando dor de estômago, inchaço, diarreias, náuseas e vômitos, levando o paciente a ter uma gastrite nervosa”, diz Gustavo Patury, médico especialista em aparelho digestivo.
Ele acrescentou ainda que o corpo físico é o reflexo das nossas emoções e pensamentos. E sempre que algo não vai bem, ou não ocorre como o esperado, o corpo encontra um meio de mostrar que há um problema. Com os atletas não é diferente.
TÉCNICOS DÃO SINAL DE ALERTA – A preocupação com a saúde do atleta ganha importância pela própria manifestação dos treinadores diante do calendário. Visivelmente irritado com a escala de jogos do Palmeiras, o técnico português Abel Ferreira chegou a ameaçar colocar o sub-17 para disputar o Estadual em função do desgaste do seu elenco.
Com 32 jogos em 2021, o Internacional contratou o espanhol Miguel Ángel Ramírez após a perda do título do Brasileiro na última rodada. O substituto de Abel Braga ficou assustado com o que viu ao desembarcar no Brasil. Segundo ele, essa rotina intensa de partidas com curtos espaços de intervalo vai afetar diretamente a saúde dos jogadores se algo não for feito.
“Ou paramos, todos os atores do futebol, e pensamos em algo, ou seguiremos sobrecarregando a saúde dos jogadores. Sei que isto está acima de todos, mas temos de sentar em uma mesa e conversar sobre dar uma volta neste calendário. Eu não sei quanto tempo vou estar aqui, vou sair em algum momento. Mas digo isto como mensagem pensando no jogador, que afinal é o protagonista. Estamos jogando com a saúde deles. Cuidado, muito cuidado”, relata o comandante colorado em entrevista ao Estadão.
VETERANOS NO LIMITE – A maratona de jogos obrigou os clubes a optar por estratégias para preservar o elenco. A principal delas tem sido o rodízio no plantel e uma integração com as categorias de base. Mesmo assim, alguns atletas não suportaram a sequência e acabaram sofrendo com lesões.
O caso mais recente é do lateral direito Daniel Alves. Convocado pelo técnico Tite para os jogos das Eliminatórias da Copa de 2022, o veterano jogador de 38 anos foi cortado por contusão. Por meio de uma postagem no seu Instagram, ele lamentou não poder estar a serviço da seleção. “A seleção brasileira é algo muito especial para mim, e se não estou 100%, não posso servi-la com o respeito e a responsabilidade que devemos ter ao vestir esse sentimento”.
O Flamengo vem dando tratamento diferenciado aos seus jogadores mais experientes, como por exemplo, o lateral Filipe Luís. Aos 35 anos, ele é sempre um dos poupados quando a sequência de confrontos aumenta. Mas é em meio a essa maratona que o técnico Rogério Ceni conseguiu seus primeiros títulos na Gávea. Ganhou o Brasileiro e também levantou a taça da Supercopa em jogo único contra o Palmeiras em Brasília e, por fim, ganhou o Campeonato Carioca sobre o Fluminense no mês de maio.
Para o preparador físico Carlinhos Neves, que teve passagem por São Paulo, Palmeiras e Atlético-MG, a situação atual exige um cuidado extremo. “O atleta não aguenta uma exposição dessa e o rodízio acaba sendo uma maneira de preservar o elenco para não estourar. Um jogo a cada 48 horas é muito pouco para o jogador descansar. Sem contar que com isso ele não treina e não tem como se aprimorar”, disse.
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