Junto com o EP Motim, Marina colocou em seu site o songbook Música e Letra, com 175 músicas que gravou em 21 álbuns transcritas pelo músico Giovanni Bizzotto (parceiro da cantora desde os anos 1990) e revisadas pela própria dona da obra.
Os dois lançamentos, embora apontem para direções opostas – passado e presente -, proporcionam, inevitavelmente, um passeio pela obra de Marina, hoje com 65 anos, e ajudam a entendê-la de forma mais ampla. A própria cantora e compositora, que desde o final dos anos 1970 carrega a bandeira do pop romântico brasileiro, mostra-se disposta a essa reflexão na entrevista que fez via aplicativo Zoom para o Estadão.
A música que abre o EP, Pelos Apogeus, percorre justamente esse trajeto. Nela, Marina fala de momentos importantes da vida e carreira, como a infância no Rio de Janeiro, a mudança para os Estados Unidos aos 5 anos – época em que ganhou dos pais um violão para tentar fugir do tédio -, e das “derrapadas” na meia-idade, como ela escreve em canção que assina sozinha.
Foi com o violão nos braços, em terras estrangeiras e estranha para a menina da zona sul carioca, que ela se valeu dos songbooks de nomes como Tom Jobim e Beatles – duas de suas grandes paixões. Por isso, sabe o valor desse tipo de material para quem está começando ou já é um músico.
Marina lançou seu primeiro álbum, Simples Como Fogo, em 1979. A faixa que abria o trabalho era Solidão, de Dolores Duran (1930-1959). “Ai, a solidão vai acabar comigo”, dizem os primeiros e dramáticos versos do samba-canção. Recém-contratada na Warner, gravadora que chegava ao Brasil pelas mãos de André Midani (1932-2019), Marina não teve poder de escolha.
Midani, de certa forma, queria que Marina, que já compunha e iria gravar suas canções, se conectasse com a linhagem das compositoras brasileiras. Queria mais, segundo ela. O executivo fez uma lista com diversos tópicos, entre eles, figurinos, amigos e letras. “Não gostei. Fiquei brava. Brigamos e fizemos as pazes anos depois. Midani era um sábio. Eu até entendi o que ele queria quando me pediu que gravasse Dolores ou Maysa. Mas eu não me conectava com aquilo. E, ouvindo hoje, vejo que cantei Solidão de uma maneira infantil”, diz.
Marina conseguiu se impor apenas no terceiro trabalho, Certos Acordes, de 1981, o que tem o sucesso Charme do Mundo. A música foi feita em parceria com o irmão Antonio Cicero, de quem ela, aos 15 anos, musicou o poema Alma Caiada. Por intermédio da empresária Lea Millon, conhecida no meio como Tia Lea – e que era, de fato, tia de Marina -, o poema chegou às mãos de Maria Bethânia, que a gravou para o disco Pássaro Proibido, de 1976. A gravação, no entanto, foi proibida pela censura federal da época.
“Eu adoro acorde de violão. A harmonia é o que distingue quem você é no meio musical. A música é o que você sabe que existe entre e no meio das sete notas musicais. É esse o mistério. E Motim é isso. Os dois primeiros acordes fazem dela ser o que é. O resto é natural”, diz Marina, agora falando da canção que dá nome ao EP, assinada em parceria com Giovanni Bizzotto e Alvin L., e que carrega sua marca de pop romântico.
Marina também gosta das incertezas. E, no novo trabalho, essa condição aparece em Kilimanjaro, outra em parceria com Alvin L., compositor que deu a ela, em 1991, a canção Não Sei Dançar, com a adesão de Alex Fonseca, produtor do EP ao lado de Marina.
“Como virginiana com ascendente em virgem, acho que ninguém me pega de surpresa. Eu estava quieta fazendo uma música com Alvin e chega o tema do Alex. Mandei para o Alvin e eles criaram outra música. Não queria abrir mão dela, mas não tinha como juntar. O Alex juntou. Deu certo. Quando vem uma tijolada assim, eu fico louca”, conta, sobre a faixa que usa elementos eletrônicos, algo com que ela flerta desde 1984, no álbum Fullgás.
Pop ou rock?
Durante muito tempo, Marina recebia telefonemas do cantor Renato Russo (1960-1996), da Legião Urbana. O assunto predileto do amigo era debater se ela fazia rock ou pop. A teoria de Renato era a de que Marina era rock. Ela sempre discordou.
“O Renato amava o rock inglês. Era algo de combatente. Eu amava os Beatles, porém, por ter sido criada nos Estados Unidos, amava mais ainda a música negra americana. Era Motown (gravadora responsável por discos de nomes como Marvin Gaye, The Supremes e Jackson Five), Stevie Wonder. Foi daí que eu bebi. Daí, de Tom Jobim – e da bossa nova que virou moda entre os gringos – e dos Beatles. Dos Beatles vem o entendimento de como compor uma música pop/rock. Entender a estranheza e a beleza do que se faz”, explica Marina.
A música que fecha o EP Motim é Nóis, que compôs sozinha e teve a participação de Mano Brown nos vocais. A letra flagra o momento atual em versos que falam da “onda de horror que chegou por aqui”, do “vírus matador” e do “essezinho daqui que vai ruir”.
E sobre como Mano chegou até Marina, anos atrás, tem a ver com a música negra e o pop. Convidada para uma premiação da MTV, a cantora viu o rapper se aproximar. Brown disse que sempre viu nela a música negra, o canto negro.
Para Nóis, Marina esperava que Mano fosse criar versos que dialogassem com o que ela havia escrito. Juntos no estúdio, ele dizia que estava sentindo que a música tinha certa tensão entre um homem e uma mulher. Ela não enxergava isso. Mano pegou o microfone e fez vocalizes. “Era algo Marvin Gaye, Cassiano, Milton Nascimento. Eu disse a ele que estava lindo, sacro. Ele, marrento, negou. Foi o que deu alma à letra e à melodia que eu criei esperando ele entrar, para o rei chegar”, diz Marina. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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