Ailton Salomé Dutra
O Mito da Caverna, escrito por Platão, no livro VII do livro “República”, relata uma metáfora, criada por Sócrates, em relação à situação em que se encontrava a sociedade naqueles tempos (ótica, entretanto, muito atual), demonstrando que todos nós estamos condenados a ver somente as sombras que nos aparentam, onde as tomamos como verdade única. Conta Platão a estória de homens que vivem acorrentados em uma caverna, desde o nascimento, com visão apenas para o fundo, somente enxergando sombras projetadas por uma tênue fogueira em suas costas, existindo entre esta fogueira e as suas costas um corredor, onde transitam pessoas, com diversos objetos, sendo este o motivo da sombra à frente dos acorrentados. Desta forma, a sombra torna-se a realidade daqueles homens. E, quando um deles se liberta, vai ao mundo exterior e retorna contando o que viu, é tido como louco, sendo totalmente desacreditado, pois as sombras eram a sua única realidade.
A trilogia fílmica “Matrix” foi a versão high-tech desta metáfora. O obscurantismo da verdade à humanidade, a procura do saber e o não aceite da verdade, principais lições do Mito da Caverna, estão diluídas em toda a trama.
A versão virtual da vida, imposta pela matrix, onde não é dada a condição do real conhecimento da verdade, incutindo a sua verdade a uma massa falida de pensamentos próprios e até mesmo de raciocínio (eis que as pessoas estão inertes em casulos, com o intuito de manter viva a estrutura opressora, recebendo apenas informações filtradas) é a primeira comparação que se pode fazer com o mito da caverna. Em ambos, quando se prostam as pessoas voltadas a um único foco, sem dar-lhes a possibilidade de reação ou pensamento, procura-se demonstrar que “somos aquilo que desejam que sejamos”. O poder superior, oculto até nos encaminha na direção por eles traçada, criando a nossa realidade e as nossas necessidades.
Desta forma, ao sermos tolhidos de informações reais, de cultura e do saber, estaremos à mercê daqueles que, metaforicamente, criaram as condições de vida para os homens da caverna e para aqueles que vivem sob a égide da matrix. O conhecimento nos é impedido, para que não se ameace o poder controlador.
Este tipo de educação é a que hoje vivemos. Nos fazem acreditar que “aprendemos e que raciocinamos”, mas, entretanto, sem nos percebermos, estamos sendo conduzidos como um rebanho, como escravos, dominados para que alcancemos o resultado que já está pronto, nos sendo dado questionar apenas aquilo que não agride aos controladores, ou, se questionarmos, que seja com o objetivo também de atingir as suas pretensões.
Acordar deste sonho/pesadelo, procurando a verdade, é a intenção figurada que Platão deu ao fugitivo que, quando descobriu o novo mundo, procurou acordar os demais, sendo de pronto repelido ante a força dominadora daquela sociedade. Em Matrix (ou seria “hoje”?) a situação é idêntica; não é dado o conhecimento a ninguém e Neo, ao tomar a pílula vermelha e ao ver o real, é comparado ao fugitivo que viu a verdade e retorna para contá-la, sendo imediatamente cassado para que não se desvirtue o sistema.
Se não tomarmos a “pílula vermelha”, estaremos condenados, tais como os acorrentados, a crer eternamente que temos livre arbítrio e conhecimento e com a impressão de que somos livres, mas que, na verdade, estaremos apenas sendo bons, fiéis e competentes escravos.
Em síntese, Platão – como em “Matrix” (novamente: ou seria hoje?) – mostra que é sempre doloroso alcançar o conhecimento, havendo necessidade de se trilhar por estradas definidas, com intenção de alcançá-lo. Em ambas as situações fica claro que esquivar-se da ignorância demanda sacrifícios. A quebra de paradigmas, constituídos pelas opiniões que lhe foram impostas, como as que hoje lhe regem, é o primeiro problema frente à nova realidade. Neste instante, verá tudo vago, como se fosse irreal. Mas, com a observação perseverante, terá, aos poucos, a definição na íntegra do que lhe cerca. A partir deste instante é que passará a descobrir a verdade, a adquirir o conhecimento, podendo assim admirar e questionar as normas que lhe rodeiam.
Destarte, a maior lição recebida, quanto aos conhecimentos, é de que devemos nos despir de toda e qualquer sugestão preexistente, como único modo de partimos para o conhecimento pleno e verdadeiro.
Trazendo este paralelo aos dias atuais, estamos enfrentando a ditadura dos entre a parede e a fogueira; não nos é mais permitido utilizarmos do dom que nos foi divinamente concedido: o pensar e ter livre arbítrio. Hoje, pensar diferente da massa, se você não concorda (e nem precisa ser contra) te torna um adversário e não um debatedor. Não se pode mais não concordar (e repito: nem é ser contra) da posição política de outrem, da sua opção sexual, da sua opção religiosa, de paquerar (ainda se fala assim?) tudo se transforma em agressão, motivo de “ir à lei”, pois a verdade de um não admite uma outra verdade, ou seja, o famoso e tão condenado “nós e eles”. A educação que hoje recebemos, massificada, não tem o interesse em nos aperfeiçoar este presente divino, pois mentes pensantes podem oprimir os opressores.
Portanto, as lições de Plantão, posta brilhantemente na sétima arte, devem nos fazer refletir se estamos sendo sombras ou fugitivos da caverna. Vamos pensar e dialogar mais com os pensadores diferentes de nós?
Advogado tributarista e empresarial. Bacharel em Ciências Contábeis
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