O Relatório Nacional da Alfabetização Baseada em Evidências (Renabe) do MEC foi elaborado após um congresso com especialistas sobre alfabetização, em outubro de 2019. Desde o início da gestão Jair Bolsonaro, os métodos de alfabetização se tornaram terreno de polêmicas.
O secretário de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim, encabeça a defesa do método fônico de alfabetização e critica o foco dado ao construtivismo nas escolas brasileiras. Ligado ao escritor Olavo de Carvalho, Nadalim é um dos poucos nomes do primeiro escalão do MEC que continuam no governo. Após sucessivas trocas de ministros e secretários, o ministério tem sido alvo de críticas por falta de políticas mais estruturadas na área e omissões durante a pandemia, como no apoio ao ensino remoto e à reabertura das escolas.
O método fônico parte da associação entre a letra e seu som, para depois chegar às palavras. Esse modelo se opõe ao método global, ligado à corrente construtivista. Nesse modelo, o caminho costuma ser o inverso: a alfabetização parte de textos e experiências sobre as funções da linguagem para chegar às letras e sons, com o foco na compreensão da leitura.
O Renabe reuniu artigos escritos por especialistas em alfabetização. No fim do documento, no capítulo de recomendações, são listadas sugestões para alavancar os indicadores de alfabetização no Brasil. Uma delas afirma que conceitos como consciência fonológica e fonêmica, decodificação e fluência oral de leitura – ligados ao método fônico – “estão cada vez mais presentes em documentos curriculares internacionais”.
“Esses documentos estabelecem, de forma clara e articulada, as habilidades e conhecimentos esperados para cada etapa escolar. Os documentos nacionais não devem mais continuar a ignorar esses conhecimentos”. “É necessário”, continua o documento do governo, “que a BNCC seja revista, no período apropriado, à luz do conhecimento científico internacional”.
O Renabe também destaca que crianças na educação infantil (creche e pré-escolas, de zero a cinco anos) já devem aprender habilidades fundamentais para a alfabetização, como aprender as letras – proposta que não é consenso entre especialistas. “A alfabetização propriamente dita deve ocorrer mormente no 1º ano do ensino fundamental”, indica o relatório. Já a BNCC define que as crianças devem ser alfabetizadas até o 2.º ano do fundamental (crianças de sete anos).
O relatório faz parte da Política Nacional de Alfabetização (PNA) da gestão Bolsonaro, uma das principais bandeiras do presidente na área de Educação. A PNA foi instituída por meio de decreto em abril de 2019, com ênfase no método fônico. Na prática, experiências exitosas no Brasil, como em cidades do Ceará, combinam vários modelos de alfabetização.
O MEC tenta ainda fazer uma nova prova de alfabetização no País sem a participação de técnicos e estatísticos do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), autarquia responsável pelas avaliações, que discordam do conteúdo. Nesta avaliação, a intenção da pasta é dar ênfase ao método fônico.
Para a especialista em alfabetização Maria Alice Junqueira, a BNCC não ignora os aspectos relacionados aos sons das letras. “A PNA é que ignora tudo o que veio antes. A BNCC foi construída após um processo de diálogo entre as diferentes perspectivas e concepções de ensino e aprendizagem”, diz Maria Alice, coordenadora de projetos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Segundo ela, a PNA induz os municípios à adoção do método fônico, uma vez que condiciona recursos à adesão ao programa. O risco de que a política seja conduzida como foi aprovada pelo MEC é de uma abordagem mecanizada da alfabetização. “O perigo é formar pessoas com menos capacidade de compreensão do que leem.”
Favorável à mudança na BNCC, João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, diz que a Base Curricular tem conceitos “confusos e equivocados”. Para ele, faltou trabalhar à luz das evidências científicas para construir a BNCC. “O currículo da educação infantil não fala em letra. É tão ideologizada a base, tão anticientífica. E isso prejudica as pessoas pobres”, diz ele, que já foi secretário executivo do MEC.
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