Mecanismo biológico explica por que faz tanto bem fazer o bem

De segunda a sábado, faça chuva ou faça sol, a professora Claudia Carvalho, de 55 anos, sai do trabalho às 18 horas e vai para a sede da ONG Assistência sem Fronteiras, na zona sul de São Paulo, da qual é voluntária. Lá, coloca no seu carro o caldeirão de sopa quente que vai distribuir à população em situação de rua, em diversos pontos da cidade. A rotina é puxada, mas ela diz sentir-se recompensada. “Parece mágica. Muitas vezes cheguei para o trabalho voluntário com dor de cabeça, preocupações, cansaço, mas saía renovada.”

Mecanismos biológicos e sociais justificam a sensação positiva vivida por Claudia nesse voluntariado. A prática de atos de generosidade ativa o sistema límbico, um conjunto de estruturas presente no cérebro que controla comportamentos ligados à nossa sobrevivência, que desencadeia a liberação de neurotransmissores como dopamina, serotonina, ocitocina e endorfinas, explica o psicobiólogo Ricardo Monezi, pesquisador de fisiologia do comportamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Essa liberação de neurotransmissores tem efeitos em muitos sistemas. Pesquisas já comprovaram efeitos positivos, como melhora de dores crônicas, como a fibromialgia, e benefícios ao sistema cardiovascular, além da sensação de felicidade e realização”, diz.

E quanto mais se pratica o altruísmo, maior é a vontade de continuar a praticar, avisa o psicobiólogo. “Há um sistema de recompensa que deixa a pessoa ‘viciada’ nessa boa sensação. Por isso, ela tende a ficar cada vez mais generosa.”

Quem pratica generosidade exercita a compaixão, o que proporciona o sentimento de gratidão, relata a psicóloga clínica Lina Sue, do Curso de Terapia Cognitiva do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. “E quando temos gratidão, o cérebro entende que está tudo bem, o que resulta em bem-estar”, afirma.

Em seu mestrado, em 2018, Lina conduziu uma terapia em grupo com treino de habilidades de compaixão para pacientes com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Tept), que vivenciaram ou testemunharam doenças, tragédias, violência sexual e a percepção de morte – real ou não. Ao final, houve, na média, um aumento de 22% na escala de autocompaixão, com redução dos sintomas: Tept (54%), depressão (41%), ansiedade (32%) e desesperança (34%). Além disso, diminuiu a sensação de vergonha e autocrítica.

Comportamento está ligado à evolução da espécie

Comportamentos relacionados à generosidade, à doação e à ajuda ao próximo são importantes para o ser humano como espécie, dentro de uma perspectiva evolucionista, explica a psicóloga Mayara Wenice de Medeiros, do Laboratório de Evolução do Comportamento Humano (Lech), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Por sermos uma espécie que vive em sociedade, esses comportamentos são importantes para a nossa sobrevivência”, avisa.

Segundo ela, há estudos mostrando que bebês de poucos meses de vida já apresentam comportamentos de generosidade e preferem interagir com pessoas que fazem o mesmo. Funciona como uma moeda de troca: “É um mecanismo biológico que foi desenvolvido ao longo da história da espécie”. Ela menciona também o “altruísmo recíproco”, que leva uma pessoa a ajudar outra pensando na possibilidade de precisar dela no futuro. “Isso não é premeditado, mas inconsciente”, explica Mayara.

Para que a generosidade proporcione bem-estar, é preciso que a motivação seja a capacidade de amar o próximo, na visão de Leila Tardivo, professora do Instituto de Psicologia da USP. “O senso comum diz que é melhor dar do que receber. Isso tem embasamento científico”, afirma. “Freud dizia que a capacidade de amar e trabalhar define a saúde mental. E esse ‘amar’ não se refere somente a um parceiro, mas também a outras pessoas e ideais.

“Para ter esse amor, é preciso que a pessoa tenha obtido conquistas do desenvolvimento pessoal”, explica. Ou seja, se a culpa, a vaidade ou a ansiedade forem as motivações para uma ação altruísta, pode não haver o mesmo bem-estar. “Se uma pessoa sente que não é merecedora e pratica ações solidárias para aplacar sua culpa, por exemplo, não faz bem.” Leila também fala da importância de ter autoestima, se respeitar. “A ação tem de fazer sentido para quem a pratica e para quem a recebe. Como humanos, receber também é relevante quando se necessita.”

Bom-humor é constante no voluntariado

Quem se voluntaria para ajudar nas ONGs e instituições nunca está de mau-humor nas ações sociais ou ambientais, na percepção de João Paulo Vergueiro, de 41 anos, um dos coordenadores do Dia de Doar, que no dia 30 de novembro promoverá mobilizações em todo o País por doações a projetos de impacto social e ambiental. “Quando uma pessoa percebe que está fazendo a sua parte, tem uma sensação de pertencimento que proporciona bem-estar”, argumenta.

Atualmente, Vergueiro faz doações financeiras a cinco projetos sociais e é conselheiro de três ONGs. Além disso, faz voluntariamente o jornalzinho da paróquia do bairro onde cresceu. “Mesmo que a doação seja pequena, penso que outras pessoas estão fazendo o mesmo e que juntos estamos fazendo a diferença na vida de quem precisa de ajuda. Isso me deixa muito feliz.”

COMO AJUDAR E DOAR

Quer começar a praticar voluntariado ou fazer doações a ONGs e iniciativas sociais? Veja alguns canais que fazem essa ponte.

Atados: Nessa plataforma de voluntariado você encontra vagas nas ONGs e projetos sociais e ambientais em todo o Brasil. Tem uma ferramenta de busca por vagas com filtros como de localidade, causa e habilidade.

BSocial: Essa plataforma tem como principal objetivo fazer a ponte entre doador e beneficiados, selecionando projetos e ONGs relevantes e de credibilidade.

Dia de Doar: O movimento mundial criado para promover a doação vai intensificar suas atividades no dia 30 de novembro. Para acompanhar e participar, vá no perfil do Instagram @diadedoar.

Drops of Action: O perfil no Instagram reúne e apresenta iniciativas sociais e ambientais com objetivo de facilitar para o público geral as doações, voluntariado e outras atitudes que ajudem quem precisa. No @dropsofaction.

VOOA: O canal Razões para Acreditar, que divulga histórias de superação, tem um site voltado a vaquinhas para apoiar as causas que eles compartilham.

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