Médica legista fala sobre feminicídio e relata casos de violência atendidos no IML em Curitiba

A médica legista do Instituto Médico Legal, da Polícia Científica do Paraná, e ginecologista, Maria Letícia Fagundes, esteve em Pato Branco nessa semana e ministrou uma palestra sobre feminicídio, estupro e violência de gênero, no auditório da Associação Empresarial (Acepb), na noite de quinta-feira (23).

Atuante na área por 27 anos, Maria Letícia, que é vereadora – eleita pelo segundo mandato consecutivo – e Procuradora da Mulher da Câmara de Curitiba, apresentou a palestra “Queremos todas vivas – o feminicídio pelo olhar de uma médica legista”, com relatos do trabalho que exerce no IML, fazendo perícia em cadáveres de mulheres assassinadas e em vítimas de crimes sexuais e violência física.

Ela também apresentou os números do Paraná e do Brasil em relação a violência de gêneros, crimes sexuais e feminicídio, que tem aumentado nos últimos anos, a gravidade das ocorrências e a sua visão, como médica legista, diante dessa situação.

Maria Letícia esteve em Pato Branco por convite da vereadora Maria Cristina de Oliveira Rodrigues Hamera (PV), em parceria com o Núcleo da Mulher Empresária, da Acepb.

Cris Hamera explicou que a iniciativa de trazer Maria Letícia a Pato Branco surgiu pela solicitação feita pelo Núcleo da Mulher Empresária, para que se abordasse o tema no município, na tentativa de promover mais segurança para as mulheres, mediante um caso de assalto a uma empresária.

O aumento da violência contra mulheres, nos últimos meses, têm assustado toda a população, principalmente a população feminina. Inclusive, na semana passada, a Delegacia da Mulher de Pato Branco, com a ajuda do Grupamento de Operações Aéreas (GOA), da Polícia Civil do Paraná, e do Serviço Aeropolicial (Saer), de Santa Catarina, drones da Polícia Militar e da Receita Federal, e cães farejadores, conseguiu capturar um foragido acusado de crimes de estupro, violência sexual e homicídio, após meses de investigação, que inclusive já é condenado por outros crimes dessa natureza.

Além disso, cresce a cada dia o número de casos de violência contra mulher na delegacia especializada, ocorridos dentro dos lares, provocada por companheiros, pais ou familiares das vítimas, elevando a necessidade de uma rede de apoio forte e atuante para proteger e amparar essas mulheres. Ainda, casos dessa natureza precisam ser denunciados e representados para que os criminosos sejam punidos pela Justiça.

Foto: Assessoria/CMPB

Equidade de gênero

Maria Letícia enfatizou que antes de tudo as mulheres precisam ser reconhecidas com igualdade e que as políticas públicas e a gestão de orçamento devem priorizar também essa questão.

Ela explicou que a violência é um ciclo, vem a tensão, depois o arrependimento do agressor e posteriormente nova violência. Isso faz a vítima se sentir presa em uma situação de abuso e violência, onde muitas vezes acaba se sentindo culpada pelo ocorrido, sem condições psicológicas e até mesmo físicas de buscar ajuda.

A médica legista acredita que quase cem por cento dos casos contra a mulher é subnotificado, inclusive por conta da legislação que versa sobre o tema, que em alguns casos atrapalha mais do que protege a vítima.

Um parlamento com maioria masculina, que debate temas como feminicídio e violência contra a mulher em comissões formadas apenas por homens, certamente contribui para que a legislação não tenha a abrangência de proteção que seria necessária para o público feminino. “Dificilmente um homem vai ter a empatia de se colocar no lugar da mulher ao debater o tema da importunação sexual, por exemplo”, destacou Maria Letícia, ao lembrar do caso do homem que ejaculava em mulheres dentro do transporte público, em São Paulo, tempos atrás.

“São muitos casos e pouco orçamento”, enfatizou ela, afirmando que para mudar a situação é preciso que haja mais orçamento, e políticos sensíveis ao problema.

Pandemia

Sobre as subnotificações, a médica revelou que durante a pandemia diminuiu o número de casos, mas que isso não representa a realidade. Na verdade, segundo ela, as escolas fechadas – que é o local onde a maioria da violência contra as meninas e as adolescentes é identifica – mascararam a situação, e também o fato de as famílias estarem mais concentradas em casa, lugar onde vítimas e agressores passaram a conviver mais.

Foto: Assessoria/CMPB

Mulheres trans

O feminicídio, segundo ela, é um crime de ódio praticado contra mulheres por serem mulheres, ou seja, contra o gênero feminino. Mas isso não querer dizer que mulheres trans não sofram esse tipo de violência. Pelo contrário.

A diferença é que parte da legislação que versa sobre o tema não inclui essa população, então crimes praticados contra essas mulheres são caracterizados como homicídio e não feminicídio, novamente mascarando os números referentes a tipificação do crime. “Menos casos, menos orçamento, menos recursos”, ressaltou.

Protocolo padrão

A necessidade, de acordo com a médica, é executar a pauta através do enfrentamento, de orçamento para políticas públicas efetivas e multidisciplinares, e criação de protocolo padrão de registro, através de um cadastro nacional do que é e o que caracteriza o crime de feminicídio, para que não haja mais subnotificação de casos dessa natureza. Ainda, humanizar e acelerar o atendimento às vítimas, contar com uma mídia consciente e responsável que não desrespeite a vítima e vanglorie o agressor.

Maria Letícia enfatizou que a tecnologia tem ajudado muito nos laudos, na produção de provas contra os abusadores, principalmente em crianças, com exames de DNA e perícia no local do crime. O IML tem condições de fazer um trabalho de excelência, porém o problema está no protocolo que precisa ser aplicado mediante os casos.

Foto: Assessoria/CMPB

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