Flori Antonio Tasca
Na Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, edição de julho de 2012, foi publicado o artigo “Recuso-me a ir para aquela escola – Um caso clínico de bullying”, de autoria de Diana Carneiro e Ana Figueiredo. O artigo ressalta a importância de que os profissionais médicos estejam atentos para sintomas que sugiram prática de bullying.
No caso selecionado pelas autoras, um adolescente havia apresentado grande aumento no número de consultas médicas, sempre com sintomas vagos, como cefaleias, dores abdominais ou musculares, etc. Até que um dia confessou ao médico e à mãe que ele era vítima de agressões físicas e verbais por parte de seis ou sete colegas em sua escola.
O rapaz era insultado e humilhado, além de ser chamado de gay. Era ainda empurrado e um dia até lhe quebraram os óculos. Também tiravam o seu lanche, entre outras ações. Depois de um tempo, as agressões se estenderam à internet. Tudo isso fazia com que ele dissesse, de forma enfática, que se recusava a ir à escola para ser humilhado.
As autoras observaram que, apesar de a prevalência de sintomas poder variar a nível internacional, na maioria dos casos há uma forte associação entre sintomas de caráter físico (cefaleia, dor abdominal, lombalgia, tonturas) e psicológico (alterações do humor e no padrão do sono, ansiedade, isolamento). Essas são características do bullying.
Como a adolescência se caracteriza por alterações biológicas e psicológicas, quando as interações sociais desempenham um papel importante, as pessoas nessa faixa etária são mais suscetíveis aos efeitos negativos do bullying. E a maioria das vítimas não relata o que está se passando, o que aumenta a importância da atuação do médico, pois quem passa por essas agressões costuma desenvolver diversos sintomas psicossomáticos.
O adolescente do caso analisado desenvolveu sintomas como reação aguda ao estresse causado pelo bullying. Com a dificuldade de encontrar matrícula em nova escola, ele ficou quatro meses afastado dos estudos, mas os sintomas persistiram durante todo esse período. Ele, inclusive, manifestava resistência à possibilidade de vir a ser integrado em outra escola, pois receava novas agressões. Precisou tomar medicação controlada.
A situação foi ainda dificultada pelo diretor da escola anterior, que não havia aceitado a justificativa médica pelas faltas e havia sinalizado o caso como abandono escolar. Mas a transferência, por fim, aconteceu, e na nova escola o adolescente começou a revelar sofrimento emocional com risco de auto e heteroagressão. Foi diagnosticada depressão como reação à violência escolar sofrida. E ele precisou de tratamento psiquiátrico.
Na época da publicação do artigo, o adolescente já se sentia melhor na nova escola, mais desenvolto, seguro e feliz, embora ainda demonstrasse intolerância pelo barulho feito por colegas. As autoras apontaram como forte indicador de que um estudante está sendo vítima de violência a falta de vontade e o medo de ir à escola, quando há angústia intensa e queixas somáticas nos momentos que antecedem a ida para a escola.
Também é comum que esses estudantes cheguem em casa com roupas e livros rasgados ou manchados, perdendo repetidamente pertences e dinheiros e se mantendo calado. No caso analisado, foi muito importante o fato de a família ter acreditado no adolescente e o ajudado, recorrendo aos meios de que dispunham para resolver o seu problema.
Por todas essas razões, as autoras defendiam que a orientação de um caso clínico de bullying deve envolver o esforço de uma equipe multidisciplinar, incluindo os pais, os professores e profissionais da escola, médicos, psicólogos e psiquiatras. Os efeitos do bullying raramente são óbvios, mas a posição privilegiada de um médico de família pode servir para identificar as crianças em risco e orientar as suas famílias.
Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, fa.tasca@tascaadvogados.adv.br