A analogia militar costuma ser usada pelo próprio ministro para resumir a frequência com que discorda de seus colegas de plenário. Com aposentadoria marcada para 9 de julho, Marco Aurélio Mello se despede do tribunal confirmando outra pecha: a de defensor do legado da Operação Lava Jato. No julgamento encerrado nesta quarta-feira, 23, o decano chamou Moro de ‘herói nacional’ e disse que se caminha ‘para execração de magistrado que honrou o Judiciário, que adotou postura de imensa coragem ao enfrentar a corrupção’.
“O juiz Sérgio Moro surgiu como verdadeiro herói nacional e então, do dia para a noite, ou melhor, passado algum tempo, é tomado como suspeito. E aí caminha-se para dar o dito pelo não dito em retroação incompatível com os interesses maiores da sociedade, os interesses maiores do Brasil”, disse.
Em seu voto, Marco Aurélio refez a linha do tempo que levou à anulação das condenações de Lula e, na sequência, à declaração de parcialidade do ex-juiz da Lava Jato.
“Existe uma máxima, um ditado: de que algo que começa errado tende a complicar-se em passo seguinte”, comentou ao repetir que ficou ‘perplexo’ com a decisão individual do colega Edson Fachin que declarou o juízo de Curitiba incompetente para processar as ações da Lava Jato envolvendo Lula e anulou as condenações do ex-presidente. Como mostrou o Estadão, Fachin agiu para tentar reduzir danos diante de derrotas iminentes que podem colocar em risco o legado da operação.
Para o decano do STF, a decisão fez com que o habeas corpus levado pelo petista ao tribunal ganhasse um alcance ‘inimaginável’, na contramão do princípio da segurança jurídica e no caminho para comprometer a credibilidade do Judiciário.
“Eis que, em verdadeiro passe de mágica, é aberta a possibilidade de revisão dos títulos condenatórios mediante habeas corpus”, alfinetou. “Em primeiro lugar, a competência territorial é relativa, passível de prorrogação. Em segundo, não se tem um quadramento da matéria como apta a ser examinada mediante revisão criminal.”
Marco Aurélio lembrou que a condenação de Lula no processo do tríplex foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre, e pelo Superior Tribunal de Justiça. O ex-presidente, na avaliação do ministro, foi ‘ressuscitado politicamente’ – já que, com a anulação das condenações, o petista está apto a disputar um novo mandato em 2022.
“Os processos-crime, ao todo cinco, tramitaram, como já consignado, regularmente, percorrendo patamares do Judiciário. Ocorreu fenômeno, repito, inimaginável”, criticou.
O ministro também fez referência aos diálogos obtidos na Operação Spoofing, que investigou o grupo de hackers processado pelo ataque cibernético que roubou mensagens de procuradores da Lava Jato e do próprio Moro. Alguns colegas usaram trechos das conversas como ‘reforço argumentativo’ em seus votos para declarar o ex-juiz parcial.
“Dizer-se que a suspeição está revelada em gravações espúrias, é admitir que ato ilícito produza efeitos, valendo notar que a autenticidade das gravações não foi elucidada. De qualquer forma, estaria a envolver diálogos normais, considerados os artífices do Judiciário”, comentou o ministro.
Em outra crítica aos colegas, o decano colocou sob suspeita o momento em que o julgamento sobre a conduta de Moro, que havia sido suspenso no final de 2018, foi retomado. O caso foi pautado por Gilmar Mendes na Segunda Turma logo após Fachin declarar a perda de objeto da discussão, já que as condenações de Lula haviam sido anuladas quando ele declarou a incompetência do juízo de Curitiba – o que pouparia o ex-juiz de passar pelo escrutínio do STF. Marco Aurélio afirmou que o caso ficou engavetado por mais de dois anos por um ‘perdido de vista’ de Gilmar.
“O colegiado, apreciando impetração cujo processo fora arquivado pelo ministro Luís Edson Fachin na decisão citada, acabou – sem recurso de quem quer que seja – por cassar essa mesma decisão. A cassação ocorreu com ‘Ç’ e não com SS, no que maltratado o devido processo legal, a organicidade do Direito, especialmente no instrumental”, afirmou. “Inexiste utilidade e necessidade em apreciar se um juiz mostrou-se ou não imparcial na condução dos trabalhos atinentes aos referidos processos e que desaguou em decisões condenatórias”, completou o decano.
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