Conforme essa nova pesquisa, no primeiro semestre deste ano a doença se agravou ainda mais depois da expansão da variante Gama, identificada originalmente em Manaus, no País. A mortalidade entre pacientes internados passou de 35,6% para 38,7% e chegou a 40,3% depois da predominância da nova cepa do vírus. O aumento aconteceu apesar de a idade média dos pacientes ter caído de 63 para 59 anos. E foi registrado em todas as faixas etárias, dos mais novos aos mais idosos.
“O ponto muito triste dessa história é que, quando fizemos o levantamento da primeira onda, no ano passado, todo mundo ficou horrorizado com a alta mortalidade hospitalar”, afirma o infectologista Fernando Bozza, da Fiocruz, um dos autores do trabalho. “Então, a pergunta é: por que, depois de um ano de pandemia, o País não só não foi capaz de reduzir a mortalidade como, pior ainda, aumentou?”
Os cientistas atribuem o aumento na mortalidade ao relaxamento das medidas de isolamento social no fim do ano passado, ao colapso do sistema de saúde e à predominância da nova variante. Mas houve também, dizem, falta de preparo por parte do governo federal para uma eventual segunda onda.
“Acho que foi uma combinação entre a flexibilização progressiva das medidas de isolamento, as festas de fim de ano, a introdução da nova variante mais transmissível e a sincronização da epidemia por todo o País”, afirma Bozza. “Na primeira onda, a pandemia tinha dinâmicas próprias, dependendo da região do Brasil; na segunda houve uma sincronização em todo o País.”
O infectologista Otávio Ranzani, do Instituto de Saúde Global de Barcelona, na Espanha, e da Universidade de São Paulo (USP) cita também a sobrecarga do sistema de saúde. No primeiro semestre, houve registros de mortes de pacientes por falta de oxigênio, como ocorreu em janeiro em Manaus, desabastecimento de sedativos e insuficiência de leitos.
“Nosso estudo revela que a pressão no sistema de saúde brasileiro foi ainda maior na segunda onda, por conta do maior número de casos e por ter sido tudo sincronizado”, diz Ranzani, que também assina o trabalho. “Se até então tínhamos tido como pico aproximadamente 14 mil internações que necessitaram de algum suporte ventilatório em uma semana, na segunda onda esse número saltou para 40 mil. Acho até difícil dimensionar esse número, mesmo em um país imenso como o Brasil. É um volume muito grande de doentes críticos que necessitam de equipe multidisciplinar treinada. Isso certamente também refletiu na mortalidade dentro dos hospitais.”
Num estudo inicial, publicado em meados do ano passado também na Lancet, o mesmo grupo analisou os primeiros 250 mil casos de hospitalizações por covid no País e seu impacto na mortalidade dos hospitais. Agora, eles comparam a pressão, gravidade (número de pacientes com hipoxemia, baixos níveis de oxigênio no sangue), recursos (unidades de terapia intensiva, internações e suporte respiratório) e mortalidade entre os pacientes internados na segunda onda em comparação com a primeira.
A partir de dados da base SIVEP-Gripe, foram analisados 1.217.840 casos de internação por covid entre 16 de fevereiro de 2020 e 24 de maio de 2021. Comparando a segunda onda com a primeira, a média de hospitalizações aumentou 59% (de 14,2 mil para 22,7 mil por semana). A demanda por ventilação não invasiva aumentou 74% (de 6,7 mil para 11,7 mil por semana) e a por ventilação mecânica saltou 53% (2,4 mil para 3,7 mil por semana).
A idade média dos pacientes caiu de 63 para 59 anos. Ainda assim, a mortalidade hospitalar aumentou de 35,6% na primeira onda para 38,7% e chegou a 40,3% depois da predominância da mutação Gama. “Aprendemos muita coisa entre uma onda e outra, mas perdemos a oportunidade de aplicar esses conhecimentos para nos prepararmos para a segunda onda”, constata Bozza. “Passamos um ano discutindo coisas que sabidamente não funcionavam, e não fizemos o que deveria ter sido feito, como antecipar a vacinação e treinar equipes médicas.”
Comentários estão fechados.