“Isso reflete bem o comportamento da sociedade. O que aconteceu com a atividade urbana na metrópole foi que o deslocamento de pedestres diminuiu, principalmente nos horários mais centrais e, com os motociclistas, aconteceu o óbvio”, observa Sergio Ejzenberg, engenheiro e mestre em Transportes pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
De acordo com os dados da CET, foram 809 mortes no trânsito da capital paulista ao longo de 2020, um aumento de 2,2% em relação ao ano anterior. Destas vítimas, 345 eram motociclistas, a maior parcela (38,7%) de todas as modalidades e a que mais cresceu comparativamente, com aumento de 16%. A categoria também foi a maior responsável pelos atropelamentos, envolvida em 21% das ocorrências fatais.
O horário letal para os motociclistas foram as noites e madrugadas dos fins de semanas, quando ocorreram mais de metade das mortes. As vítimas eram na sua maioria homens, entre os 20 e 30 anos, cujas ocupações principais se alternavam entre entregadores ou estudantes. No boletim, a CET aponta como fatores de risco a pouca experiência sobre duas rodas, “imperícia ou imprudência” , “perda de controle” e “excesso de velocidade”.
Consultor em segurança do trânsito, Horácio Augusto Ferreira acredita que motociclistas praticam uma espécie de “boliche humano” com quem anda a pé pela capital e defende que a diminuição de 12% nas mortes de pedestres no ano passado é fruto do isolamento social, suspensão de aulas e trabalho presenciais e implementação do home office. “Some a isso os desempregados e quem migrou para o transporte individual, com medo do vírus, então a circulação diminuiu drasticamente”, explica.
Ele afirma que a morte de motociclistas no trânsito é um problema que começou há 20 anos e que dificilmente vai melhorar se não houver uma mudança na fiscalização. “As motos são o grupo de condutores que mais comete infrações, porcentualmente. Se não tiver equipamento e fiscalização randômica para motocicletas, não conseguimos mudar o cenário”, observa.
Ejzenberg reconhece que os motofretistas trabalham sob a pressão de muitas entregas em pouco tempo e, como os principais radares não são equipados para registrar as infrações entre as fileiras de carros, a velocidade acaba sendo muitas vezes letal. “Os laços detectores pegam os veículos tradicionais, mas entre as faixas não há laço detector. A moto passa em excesso de velocidade e nada acontece.” .
A saída, apontam, seria um aumento randômico de fiscalizações presenciais pela capital, alinhado a um trabalho de conscientização dos motociclistas. Na legislação, o veto do presidente Jair Bolsonaro sobre o artigo 56-A do novo Código de Trânsito, que permitia a circulação de motocicletas entre veículos apenas “quando o fluxo estiver parado ou lento”, é vista como uma “oportunidade perdida”.
Eles também criticam os programas anunciados pela administração municipal, como o Motorista Seguro, implementado em 2018 e que de acordo com a CET impactou 7.500 motociclistas desde sua criação, com ações educativas e orientações de segurança. “A Prefeitura está brincando de fiscalizar, fingindo que atua. Se não sentarem com a Polícia Militar e focarem 90% das ações em motos, os motociclistas infelizmente vão continuar se matando e, muitas vezes, ficando inválidos.”
Os especialistas acreditam que a tendência é de piora para esse cenário, à medida que a pandemia passar e a vida voltar ao normal, ou a algo mais próximo do que conhecíamos como isso. “A gente vai ter mais morte de motociclistas com a melhora da vacinação e aumento de circulação das pessoas, porque eles vão continuar se colocando em risco.”
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